sábado, 17 de agosto de 2024

Sofrer por antecipação

 A cabeça não pára de pensar, girando rapidamente em torno das mesmas idéias. O coração se agita, o que provoca sensações de inquietude e mal estar. O sono não consegue vir e fazer o corpo e a mente descansarem. Pensamentos e sentimentos se misturam. Sobrevém uma ansiedade que incomoda e consome energias corporais e psíquicas. Tudo isso acontece por conta de algo que ainda não aconteceu e que, talvez, possa mesmo nunca vir a acontecer. Expectativas boas ou ruins podem dar origem a esses sofrimentos: uma viagem, o possível risco de um assalto, uma ida ao banco, uma festa de casamento. Por antecipação, há aqueles que sofrem mais e há aqueles que sofrem menos. As razões desses padecimentos podem ser várias.

Na base, está sempre uma insegurança pessoal. A dúvida, a falta de confiança quanto ao ser ou não ser capaz de enfrentar, com sucesso, a situação que se aproxima. Em outras palavras: o que faz sofrer é o medo do fracasso. Outra razão pode ser a necessidade de valorizar-se através do aumento do valor daquilo que vai fazer, ou daquilo pelo qual terá que passar. Uma forma sutil de chamar atenção dos outros para si mesmo, ressaltando o quanto sofre e precisa ser cuidado.

O sofrimento por antecipação pode também servir como uma estratégia para dividir a  própria angústia. Quanto mais o outro se deixar contaminar, maior será o alívio daquele que antes se via sofrendo sozinho. Neste caso, trata-se de uma atitude imatura, de quem se coloca em dependência, necessitando do outro junto de si, compartilhando de sua angústia.

A sabedoria popular criou o provérbio: “nem tanto ao mar, nem tanto à terra”. Quem não vibra com os acontecimentos não “curte” a vida pelo que de emocionante ela pode proporcionar, não se permitindo sentir-lhe os sabores que tem, sejam eles doces ou amargos. Porém, quem vivencia os acontecimentos com extremo dramatismo, ampliando os perigos que os fatos podem representar, antes mesmo destes estarem acontecendo, transformando-os em quase-tragédias, exagera e adiciona à vida uma dose elevada de neurose, o que impede de usufruí-la na medida exata, sofrendo além do necessário e do humanamente suportável.

Postado por José Morelli

 

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