quarta-feira, 19 de abril de 2023

Os sinos da Basílica da Penha

 O tempo é fortuito/fugaz... Passa num estalar dos dedos. Dos acontecimentos que vivenciamos no passado, felizmente, ficam lembranças que nos possibilitam trazê-los de volta ao nosso momento presente. Nossa memória nos permite recriar virtualmente imagens mentais de pessoas, coisas e acontecimentos que fizeram parte de nosso passado próximo ou remoto.

Era início da década de cinquenta do século passado, ano 50 ou 51. Padre Renato Francisco veio para a Penha, juntamente com outros jovens colegas seus, também recém-ordenados sacerdotes na congregação redentorista. Para aqui vieram, a fim de complementarem a própria formação, juntando a prática ao que haviam aprendido nos anos de estudos do seminário, em Tietê. Cada um deles foi encarregado de coordenar alguma atividade específica dentre as inúmeras necessárias à boa prática pastoral da paróquia e do santuário de Nossa Senhora da Penha. Padre Renato foi designado para organizar as atividades dos coroinhas, meninos que serviam como acólitos das missas e ajudavam em outras atividades litúrgicas, como as novenas perpétuas, às quartas-feiras, realizadas no interior do hoje denominado Santuário Eucarístico de Nossa Senhora da Penha.

Padre Renato se mostrava próximo e reconhecido pelo trabalho realizado pelos coroinhas. De acordo com o pensamento dominante na época, nem pensar de meninas fazerem parte desse grupo. Ainda trago viva em minha mente a lembrança do dia em que Padre Francisco nos permitiu subir à torre da igreja e ali conhecermos o carrilhão, formado por quatro sinos de diversos tamanhos. Quando lá nos encontrávamos deu meio dia e eles começaram a tocar. O som forte era agressivo aos nossos ouvidos. Foi-nos recomendado, então, que mantivéssemos nossas bocas abertas, a fim de que nossos tímpanos não corressem o risco de se lesionarem.

Além de servirem ao chamamento dos fiéis para as cerimônias e as solenizarem em seus momentos de exultação, um dos sinos servia também como marcador das horas do relógio, existente na parte externa da parede fronteiriça da torre, em lugar de fácil visão por todos os que subiam a ladeira ou passavam à frente da igreja.  A maioria das pessoas não possuía relógio de pulso.  Saber a hora com precisão era um privilégio de poucos. Assim, as batidas do sino marcando as horas, tanto as do dia como as da noite, eram esperadas e acompanhadas pelos que não podiam perder o horário de se levantarem cedo da cama ou de saírem para o trabalho.

Nos anos 80, o carrilhão de sinos foi levado da torre do santuário à torre da basílica, a que é vista à esquerda de quem a olha a partir de sua frente. O espaço mais amplo em que foram colocados permitiu que os sinos passassem a ser apoiados numa estrutura linear de modo a se posicionarem um ao lado do outro. O primeiro, da direita para a esquerda, é o menor deles e não traz nenhuma data nele gravada. Deve ser o mais antigo dos quatro; sendo que contém gravado em relevo o brasão da coroa imperial portuguesa. O segundo é o de maior tamanho e com maior espessura. Dentre todos é o que tem o som mais grave. A data que nele está gravada é a mais recente, de 1905. Ano este que coincide com a da chegada dos redentoristas à Penha. O terceiro na sequência é o de 1882 e, o último deles é o que traz a data de maio de 1885.

Trata-se, portanto, de um conjunto de objetos históricos que tem marcado a vida do bairro da Penha e de sua população por tantos e tantos anos, agregando-lhe muitos significados de entendimentos. Hoje, a cidade e o bairro cresceram em todos os sentidos. Houve tempo em que o que chamava atenção às pessoas eram apenas as torres das igrejas sobressaindo às demais construções. Pouquíssimos eram os edifícios que com elas competiam em suas alturas. Marcas dessas presenças ainda permanecem no imaginário da população paulistana. Vez ou outra estas marcas podem ser constadas e reinterpretadas, dando-nos a dimensão das influências que nos deixaram aqueles e aquelas que nos precederam no tempo, legando-nos valores que ainda nos servem como referências em nossas vidas.

Postado por José Morelli