O tempo é fortuito/fugaz... Passa num estalar dos dedos. Dos acontecimentos que vivenciamos no passado, felizmente, ficam lembranças que nos possibilitam trazê-los de volta ao nosso momento presente. Nossa memória nos permite recriar virtualmente imagens mentais de pessoas, coisas e acontecimentos que fizeram parte de nosso passado próximo ou remoto.
Era início
da década de cinquenta do século passado, ano 50 ou 51. Padre Renato Francisco
veio para a Penha, juntamente com outros jovens colegas seus, também
recém-ordenados sacerdotes na congregação redentorista. Para aqui vieram, a fim
de complementarem a própria formação, juntando a prática ao que haviam
aprendido nos anos de estudos do seminário, em Tietê. Cada um deles foi
encarregado de coordenar alguma atividade específica dentre as inúmeras
necessárias à boa prática pastoral da paróquia e do santuário de Nossa Senhora
da Penha. Padre Renato foi designado para organizar as atividades dos
coroinhas, meninos que serviam como acólitos das missas e ajudavam em outras
atividades litúrgicas, como as novenas perpétuas, às quartas-feiras, realizadas
no interior do hoje denominado Santuário Eucarístico de Nossa Senhora da Penha.
Padre
Renato se mostrava próximo e reconhecido pelo trabalho realizado pelos
coroinhas. De acordo com o pensamento dominante na época, nem pensar de meninas
fazerem parte desse grupo. Ainda trago viva em minha mente a lembrança do dia
em que Padre Francisco nos permitiu subir à torre da igreja e ali conhecermos o
carrilhão, formado por quatro sinos de diversos tamanhos. Quando lá nos
encontrávamos deu meio dia e eles começaram a tocar. O som forte era agressivo
aos nossos ouvidos. Foi-nos recomendado, então, que mantivéssemos nossas bocas
abertas, a fim de que nossos tímpanos não corressem o risco de se lesionarem.
Além de
servirem ao chamamento dos fiéis para as cerimônias e as solenizarem em seus
momentos de exultação, um dos sinos servia também como marcador das horas do
relógio, existente na parte externa da parede fronteiriça da torre, em lugar de
fácil visão por todos os que subiam a ladeira ou passavam à frente da
igreja. A maioria das pessoas não
possuía relógio de pulso. Saber a hora
com precisão era um privilégio de poucos. Assim, as batidas do sino marcando as
horas, tanto as do dia como as da noite, eram esperadas e acompanhadas pelos
que não podiam perder o horário de se levantarem cedo da cama ou de saírem para
o trabalho.
Nos anos
80, o carrilhão de sinos foi levado da torre do santuário à torre da basílica,
a que é vista à esquerda de quem a olha a partir de sua frente. O espaço mais
amplo em que foram colocados permitiu que os sinos passassem a ser apoiados
numa estrutura linear de modo a se posicionarem um ao lado do outro. O
primeiro, da direita para a esquerda, é o menor deles e não traz nenhuma data
nele gravada. Deve ser o mais antigo dos quatro; sendo que contém gravado em
relevo o brasão da coroa imperial portuguesa. O segundo é o de maior tamanho e
com maior espessura. Dentre todos é o que tem o som mais grave. A data que nele
está gravada é a mais recente, de 1905. Ano este que coincide com a da chegada
dos redentoristas à Penha. O terceiro na sequência é o de 1882 e, o último
deles é o que traz a data de maio de 1885.
Trata-se,
portanto, de um conjunto de objetos históricos que tem marcado a vida do bairro
da Penha e de sua população por tantos e tantos anos, agregando-lhe muitos
significados de entendimentos. Hoje, a cidade e o bairro cresceram em todos os
sentidos. Houve tempo em que o que chamava atenção às pessoas eram apenas as
torres das igrejas sobressaindo às demais construções. Pouquíssimos eram os
edifícios que com elas competiam em suas alturas. Marcas dessas presenças ainda
permanecem no imaginário da população paulistana. Vez ou outra estas marcas
podem ser constadas e reinterpretadas, dando-nos a dimensão das influências que
nos deixaram aqueles e aquelas que nos precederam no tempo, legando-nos valores
que ainda nos servem como referências em nossas vidas.
Postado por José Morelli