sábado, 18 de julho de 2020

O diapasão

Difícil não associar essa palavra à imagem que trago na lembrança do maestro Emerson Tineo, nas muitas vezes em que regeu o “Madrigal Cantarte” na Igreja do Rosário da Penha, seja em tempos natalinos ou pascais principalmente. Era típica sua maneira de utilizar-se do diapasão antes de dar o tom a ser cantado pelos diversos subgrupos do coral: sopranos, médios e baixos.

O diapasão é aquele aparelhinho metálico em forma de forquilha. Ao ser golpeado contra uma superfície, suas duas extremidades vibram produzindo a nota que será utilizada para afinar as vozes ou um instrumento musical. De certo modo, os sons possuem precisão matemática, fazendo parte das ciências exatas com características de materialidade quantificada. Por outro lado, a música produzida pelos sons possui características que ultrapassam sua dimensão quantitativa apenas. Possui alma, elevação, sublimidade e conectividade com algo ainda maior e abrangente.

Os sons harmônicos e desarmônicos se encaixam ou se desencaixam nas melodias, provocando respostas nos ouvidos e na sensibilidade de quem as aprecia. Podem, assim, vir ao encontro da necessidade emocional do momento de cada pessoa.

Num período como este, de pandemia, em que estamos vivendo, ao buscarmos encontrar apoio diante das dúvidas que pairam em nossas mentes, talvez precisemos nos utilizar de uma espécie de diapasão que nos afine em nosso ser interior e exterior. Partindo de nossa realidade concreta, sem negá-la ou subestimá-la, da mesma forma como a superfície em que é golpeado o diapasão, ampliarmos a percepção da realidade por inteiro na qual nos inserimos.

Trata-se de uma proposta que merece, pelo menos, ser tentada. Vale experimentá-la. Vale acionar a mente no sentido de coloca-la em sintonia com as sensações que vibram em nosso próprio corpo, avaliando-as em suas intensidades, entendendo-as em suas mensagens, estabelecendo um diálogo com a intimidade de cada uma delas.

Postado por José Morelli

domingo, 5 de julho de 2020

Ser consistente

Toda boa doceira sabe reconhecer o ponto em que a massa se torna consistente; isto é, com a condição ideal para que o doce corresponda ao esperado. A boa qualidade de uma massa depende de que, nela, não falte nenhum ingrediente, de acordo com as medidas indicadas na receita.

Se pensarmos bem, também nós, em nossa maneira de apresentar-nos perante aos demais, devemos ter consistência, sentindo-nos como tal e percebendo que os outros também nos reconhecem da forma como nos julgamos que somos, com aqueles valores (ingredientes), que fazem parte de nossa personalidade.

Se dissermos sempre “sim”, incapazes de dizer “não” aos outros é natural que não nos vejam com consistência (sinceridade/veracidade/coragem). Corremos o risco de sermos mal-entendidos em nossas melhores intenções. Ficamos como que escancarados em nosso direito de privacidade. À semelhança de uma casa abandonada, de qualquer lado ou forma que os outros dela se aproximassem, poderiam entrar e fazer o que bem entendessem como intrusos cheios de direitos e sem nenhuma responsabilidade; nela fariam pic-nic com os amigos e, depois, iriam embora, deixando-a toda suja e destruída.

Cada um deve cuidar de sua própria consistência. Quando uma pessoa que, por encontrar-se afetivamente carente e negligenciando sua autoestima submete-se a imposições que contrariam seus próprios pensamentos e sentimentos, a probabilidade de que será apenas usada e não conseguirá complementar-se em sua afetividade é o mais provável que venha a acontecer.

O medo de receber “não” dos outros desencoraja de dizê-lo antes que os outros o digam. O sentimento de que os outros não sejam suficientemente fortes e capazes de suportar um “não”, por menor que este represente; além de revelar falta de confiança na capacidade dos outros, não deixa de ser um deslocamento da própria fragilidade e insegurança, atribuindo-o aos outros com mais facilidade do que a si mesmo.

Uma pessoa não se confunde com os bens materiais que possui. Julgar o outro apenas por suas condições financeiras é não entendê-lo em sua totalidade. Enquanto o outro não é visto ou reconhecido também em suas qualidades morais e espirituais, quem o vê assim também se mantém fechado à sua capacidade de ver o outro com maior amplitude a realidade. A massa do bolo não atinge seu melhor ponto de consistência.   

Postado por José Morelli