terça-feira, 20 de dezembro de 2022

Acumuladores compulsivos

Em dois momentos da vida podemos ter a sensação de que detemos poder em nossas mãos, relativamente ao que fazemos com o dinheiro: o primeiro é quando o ganhamos, com nosso trabalho e o segundo é quando adquirimos bens de natureza material, ao ponto de o fazermos de maneira descompromissada, compulsiva, incontida.

O fato é de que não é difícil acontecer de nos tornarmos vítimas de nossas próprias compulsões; isto é, de nossos impulsos incontrolados de comprar, gerados por uma sensação interna de carência afetiva, da qual não conseguimos nos libertar facilmente, o que nos leva a acumularmos sempre e cada vez mais, irrefreavelmente.

Se a compulsão é de comprar a fim de podermos dizer, a nós mesmos e aos outros, que o bem adquirido é nosso, propriedade nossa, isto já pode ser suficiente para que este deixe de ser reconhecido na importância que, antes de comprado, parecia ter. Assim, ao chegarmos em nossa casa, ele é simplesmente colocado num armário qualquer e ali esquecido.

Se a compulsão é de acumular bens, estes vão sendo comprados um a um ocupando os espaços de que necessitam. Primeiro, ocupam os interiores dos guarda-roupas, depois as partes superiores deles. Com o passar do tempo, vão ocupando também as mesas, em cima e em baixo, as cadeiras e, por fim, o chão. Entulhados, eles passam a impedir a locomoção nas passagens de um cômodo para o outro.  

Excessos acontecem relativamente aos bens materiais, à comida, à bebida. Estas e outras compulsões têm em comum algum comprometimento neurótico, uma exacerbação do sistema nervoso. Conceitos, sentimentos e sensações, fantasias exercem domínio sobre nossas vidas. Confundimo-nos quanto à imagem de nós mesmos com que nos construímos em nosso imaginário, embaralhando-nos pelo que somos e/ou pelo que temos.

Postado por José Morelli

quinta-feira, 27 de outubro de 2022

16 de junho de 1802

 (matéria escrita por ocasião da festa do rosário de 2015)

De onde vem a palavra aniversário? Antes de falar que não sabe, pense um pouco!... Se você identificou que é a junção de ani + versário, está na pista certa! De acordo com a etimologia dessa palavra, explicada no Wikipédia do Google, aniversário vem do latim anniversarius (anni = "ano" + vers = "que retorna" + arius = "data"), que significa "o que volta todos os anos" ou "o que acontece todos os anos". Quanto às posições siderais, em que o planeta Terra se alinha aos demais astros e estrelas, em suas trajetórias em torno do Sol, passados trezentos e sessenta e cinco dias, o mesmo retorna à posição em que se encontrava, completando mais um aniversário ou mais uma volta. Em seu movimento de rotação em torno de si mesma, a Terra, passado um ano, volta a se posicionar no mesmo ângulo em que se encontrava, recebendo a incidência da luz e do calor solar, o que determina a alternância das estações, em cada um dos dois hemisférios: norte e sul.

No próximo mês de junho, precisamente no dia 16, a Igreja de Nossa Senhora do Rosário da Penha estará aniversariando: 212 anos de sua aprovação, pelo bispo da diocese de São Paulo, a pedido da Antiga Irmandade dos Homens Pretos da então Freguesia da Penha de França. De acordo com as informações constantes no Livro de Assentamentos da Irmandade, desde o ano de 1755, esta já existia na Penha. Dela participavam negros escravizados e alforriados. Certamente, a aprovação pelo bispo foi recebida com alegria. Além de seu caráter de templo religioso católico, a Igreja também tinha o direito de, junto a ela, enterrar dignamente os seus mortos. Nos dias dos festejos, as contingências astrais serão semelhantes àquelas que ocorreram há mais de dois séculos passados.   

Em sua 13ª. Edição, a Festa do Rosário vai homenagear, especialmente, aos construtores da Igreja: homens e mulheres que faziam parte da assim chamada Irmandade dos Homens Pretos da Penha de França. O tema escolhido é: “Recado aos Nossos Ancestrais”. Se quisermos ser valorizados em nossa história de vida, também devemos reconhecer o valor da história vivida por nossos antepassados. Dependemos, em nosso existir, daqueles que nos antecederam e nos transmitiram a vida e o mundo por eles construído. A Igreja do Rosário é uma herança histórica, um patrimônio cultural denso de ensinamentos: em condições tão adversas, os irmãos e irmãs do Rosário nos deixaram o bom exemplo da solidariedade no sofrimento e da esperança na redenção/libertação.

Postado por José Morelli

terça-feira, 25 de outubro de 2022

Destampar-se

 A primeira imagem que vem à mente é a de uma panela com tampa. Se esta se encontra com água fervente e ninguém a retira, o normal é que esta vá sendo forçada, pela pressão que vem de dentro, até que se abra e deixe sair o ar que se encontra nela comprimido.

Da mesma forma, o paciente que busca uma psicoterapia, também precisa tirar-se a própria tampa. Essa tarefa não é atribuição do terapeuta. A este compete criar as condições mais favoráveis para que isso aconteça, inspirando confiança no paciente e dando-lhe espaço para que possa falar de si, com total liberdade.  O grau de dificuldade de cada um para proceder a essa abertura varia muito. Há os que têm mais facilidade e os que precisam vencer grandes resistências (defesas pessoais) para conseguir fazê-lo.

O sofrimento do paciente é o que funciona como a pressão interna que força a remoção da tampa da panela. Quem melhor pode identificar o que o faz sofrer é o próprio paciente. Falar, chorar, emocionar-se pode servir como expressão da dor interna que precisa ser mostrada e reconhecida. O reconhecimento e a aceitação daquilo que incomoda já se constitui como aceitação/assimilação da própria verdade. Parte essencial do processo de resgate ou de re apropriação de si mesmo.

Quem se tira a tampa se mostra, em primeiro lugar, para si próprio. A coragem de fazê-lo deve ser maior do que a vergonha de carregar dentro de si aquilo que o faz sofrer. Tal atitude implica em aceitação da própria realidade, da própria verdade. Em última análise, quem busca se conhecer melhor sempre acaba tendo que se reconhecer, basicamente, em sua condição de gente, de pessoa humana, falível, como todos os demais seres humanos. A perfeição é um atributo divino. Ninguém é Deus, nem todo-poderoso.

A grandeza humana se encontra no compartilhar da vida em seu todo. Qualidades e defeitos fazem parte da realidade que nos é comum. O aprendizado da vida só é conseguido mediante a vivência do dia a dia. Problemas emocionais ou existenciais se curam mediante vivências concretas: visíveis, audíveis e tangíveis.

Postado por José Morelli

 

quinta-feira, 20 de outubro de 2022

Tarefas & Tarefas

 Desde que o convívio entre homem e mulher passou a ser organizado, nas sociedades primitivas, algumas tarefas foram atribuídas aos homens enquanto outras às mulheres. Nas tribos indígenas, que habitavam as terras brasileiras na época do descobrimento, como costumam dizer os historiadores, a caça e a pesca eram tarefas reservadas ao homem e a agricultura à mulher. O mundo ocidental foi marcado pela influência do patriarcalismo, onde a figura do homem era a que exercia maior dominância. Já a sociedade africana é considerada matriarcal, uma vez que, nela, o poder da mulher marca mais profundamente as relações entre todos.

Resquícios dessas antigas culturas e tradições ainda são encontrados, principalmente, nos pensamentos e nos sentimentos de alguns segmentos de cidadãos e de cidadãs hodiernos. Ninguém ignora que a mentalidade machista ainda é forte em um número maior de pessoas do que se poderia imaginar. Por mais que a tal divisão das tarefas, hoje, venha sofrendo mudanças em suas práticas, o núcleo que justifica uma como que “reserva de mercado” ainda permanece intocável e soberano.

Algumas estruturas são mais resistentes às mudanças que outras. As chamadas máfias podem servir como exemplo. Tarefas ou serviços “sujos” eram ou são atribuições masculinas. Tarefas ou serviços “limpos” eram ou são atribuições femininas. As mamas e as mulheres, em geral, ignoravam os crimes que o marido e filhos praticavam.  Alguns desses crimes eram os próprios chefes que os praticavam, outros eram delegados aos subalternos. Às primeiras damas, esposas de políticos que ocupam postos do executivo, ainda hoje, são atribuídas tarefas que cumprem papéis de assistencialismos.

Independente das divisões de tarefas, homem e mulher são iguais no que diz respeito à própria dignidade e competência. Diferenças corporais são inegáveis. O psiquismo de cada um dos sexos também pode apresentar diferenças. O caminho histórico da humanidade tem despertado para o reconhecimento de grandes capacidades independentemente do sexo. Homens e mulheres são potencialmente competentes para exercerem as mais incríveis tarefas, necessárias à construção de qualquer sociedade humana.

Postado por José Morelli

quarta-feira, 3 de agosto de 2022

Justiça restaurativa

 É uma boa notícia, sem dúvida alguma, saber que, em algumas cidades brasileiras, - Porto Alegre e Guarulhos são exemplos - já começa a se estruturar e estar em funcionamento uma nova forma de justiça, qualificada de restaurativa. O sentido dado a esse qualificativo é mais amplo do que o comumente entendido nas práticas convencionais da justiça. Não só se busca a recuperação das perdas materiais, mas também a dos danos morais/espirituais provocados pelos delitos ou contendas entre réu e vítima. Além dos prejuízos materiais, tem-se em vista a recuperação de outros valores perdidos, tais como confiança pessoal e mútua, maior segurança junto ao grupo social, respeito, amizade, solidariedade, compaixão, amor.

Esta evolução do sistema judiciário se deve ao entrelaçamento entre os diversos conhecimentos e especializações promovidos pelas ciências. Como parceiros, participam juízes, promotores, advogados, assistentes sociais, familiares, membros da comunidade, educadores, religiosos, sociólogos, psicólogos e outros profissionais. Todos estes têm algo a contribuir para a construção de maneiras novas de entendimento das situações em que os seres humanos se envolvem e que geram conflitos ou discordâncias. A palavra dis-cordância se contrapõe à palavra con-cordância e significa corações separados ou desunidos.

A sociedade atual, com tantos progressos, tem ampliado sua capacidade em múltiplas  direções: construtivas e destrutivas. As relações humanas precisam evoluir para poderem atender às demandas conquistadas com as avançadas tecnologias de comunicação e outras.

Cada caso é um caso, cada pessoa é uma pessoa, cada situação é uma situação. Reconhecê-los no que são e pelo que são, não apenas em seus aspectos estáticos, mas em seus dinamismos, abertos à vida, com perspectivas de futuro, esses reconhecimentos são necessários para a evolução dos sistemas que devem dar sustentação às estruturas sociais organizadas, governamentais e não-governamentais.

O corporativismo ajuda os grupos a se fortalecerem. Porém, além dele, é preciso que todos aprendamos a cooperar uns com os outros, relacionando-nos, formando parcerias, para que, juntos, enfrentemos os problemas que se nos apresentam e que se constituem como maiores desafios.   

Nestes dias, o Papa Francisco viajou ao Canadá. O sentido que quis dar a esta sua visita foi o de penitência: ele foi lá para pedir desculpas aos indígenas que, anos atrás, sofreram injustiças com a conivência de escolas católicas. Assim, uma justiça restaurativa foi estabelecida entre a igreja católica e os indígenas canadenses visando compensar o mal praticado no passado.

Postado por José Morelli

quarta-feira, 20 de julho de 2022

Dom Pedro I e sua passagem pelo bairro da Penha

 Nos 353 anos de história deste nosso querido bairro, um dos acontecimentos mais importantes que se deu aqui foi o do pernoite de Dom Pedro I, num casarão que se localizava onde hoje se encontra a Agência do Banco do Brasil, ali bem próximo da antiga Matriz, cuja denominação atual é Santuário Eucarístico de Nossa Senhora da Penha. A parte da frente desta igreja chama a atenção do olhar de todos os que, advindos do centro da cidade, chegam ao bairro subindo pela Rua Coronel Rodovalho, também conhecida como Ladeira da Penha.

A chegada à Freguesia Penhense da Comitiva Real se deu no final da tarde do dia 24 de agosto de 1822, depois de o Príncipe Regente e seus acompanhantes, vindo do Rio de Janeiro e tendo passado por várias cidades do Vale do Paraíba, completando assim mais um dia inteiro de exaustiva viagem. Documentos da época atestam que, pela necessidade de serem despachadas algumas ordens, que deveriam ser cumpridas enquanto o governante permanecesse no centro da Vila de São Paulo, foi preciso que se instalasse, no lugar e em caráter provisório, o Paço Imperial da Freguesia de Nossa Senhora da Penha de França. No dia seguinte, 25 de agosto, Dom Pedro e comitiva participaram de uma missa no interior da Igreja e, terminada a celebração, deram continuidade à histórica viagem. Passados poucos dias, em sete de setembro e às margens do riacho do Ipiranga, Dom Pedro proclamou a Independência do Brasil, instituindo-o como nação liberta dos laços que o uniam ao Reino de Portugal. 

Quanto ao aniversário de 353 anos de existência histórica da Penha, de acordo com o que atesta o saudoso historiador penhense, Dr. Sylvio Bomtempi, em seu livro intitulado “Penha Histórica”, o documento mais antigo em que é citada a presença da primitiva igreja de Nossa Senhora da Penha traz a data de 11 de fevereiro de 1667. Portanto, neste ano de 2020 a Penha está completando 353 anos. Com a presença da capela, na qual já se encontrava a imagem de sua padroeira, suas formas já podiam ser reconhecidas desde as localidades mais distantes. Seu nome e o da santa à qual era dedicada passou a identificar também o seu entorno que não demorou de ser ocupado por outras moradias, formando um primitivo núcleo habitacional, embrião do qual surgiu e se desenvolveu o bairro na forma como ele é hoje.

O Dr. Bomtempi, no livro acima citado, demonstra claramente que o fundador da Penha é o Padre Jacinto Nunes de Siqueira. A esta importante personalidade a Penha deve a existência e a continuidade da igreja e dos desdobramentos que a ela se seguiram. (matéria publicada em setembro de 2020).

Postado por José Morelli

Origem mítica do bairro da Penha de França

 A origem histórica do Bairro da Penha de França foi e é contada a partir dos documentos mais antigos, que continham informações relevantes sobre os primeiros acontecimentos, determinantes dos desdobramentos subsequentes. Já a origem mítica, a respeito da qual é objetivo de se falar neste texto, a mesma se baseia naquilo que, boca a boca, foi transmitido de geração para geração. Trata-se de uma versão não racional ou objetiva (da inteligência), mas da vontade ou subjetiva (do coração e da crença).

A origem mítica da cidade de Roma é contada, referindo-se aos seus fundadores, os gêmeos: Rômulo e Remo. Estes, ainda recém-nascidos, tendo sido abandonados numa floresta, só sobreviveram por que foram amamentados por uma loba. Pouco antes de encontrá-los, a loba havia perdido seus filhotes. Fatos dessa natureza não são comuns e só encontram explicação em forças maiores que as tenham provocado.

Desde a época dos bandeirantes, das cidades por eles fundadas, algumas destas também possuem versões míticas quanto às suas origens. A nossa Penha de França se inclui nessa regra. Reza a lenda que um viajante francês, passando por aqui, trazia consigo a imagem de Nossa Senhora da Penha. Estando à meia encosta da colina, resolveu descansar um pouco antes de continuar viagem. Algumas horas depois, despertou, juntou seus pertences e retomou viagem. Tendo cavalgado por mais algum tempo, percebeu que a imagem não se encontrava com ele. Voltando ao lugar onde havia descansado não é que a imagem estava ali!... Tomou-a em suas mãos e a carregou consigo novamente. Por três vezes, aconteceu o mesmo fato. Com isso, o francês entendeu que Nossa Senhora estava transmitindo-lhe uma mensagem. Era naquele lugar que ela queria permanecer. Providenciou, então, que ali fosse construída uma pequena capela, onde a imagem passou a fazer moradia.

Para aqueles que nascem ou vivem em um determinado lugar é sempre reconfortante pensar que algum desígnio superior, fez com que o santo ou a santa escolhesse o mesmo lugar para morar. Toda lenda revela um modo de pensar e de sentir dominante em uma época. A lenda do francês é histórica enquanto revela a maneira como o povo interpretava o fato de a imagem, desde tempos imemoriais, ter chegado à Penha e aqui permanecido até os dias de hoje.

Postado por José Morelli

quinta-feira, 30 de junho de 2022

Duas vertentes para tratamentos psicológicos

 Num dos programas “Fantástico”, da Rede Globo, o Dr. Dráuzio Varella, tratando do tema sobre crianças autistas, referiu-se às maneiras de como deve ser o tratamento mais adequado desses distúrbios. Destacou de que o ideal é de que haja o concurso de profissionais de diversas áreas da saúde. Ao mencionar a psicologia, salientou que a forma mais eficaz é obtida através da abordagem comportamental.  Em seguida, foram mostradas imagens de uma clínica especializada nesse tipo de abordagem, acompanhadas de exemplificações de como são efetuados esses tratamentos tanto nas clínicas como nas famílias.

A abordagem comportamental tem como vertente as manifestações corporais/comportamentais. A partir da observação concreta dos comportamentos a serem modificados, são construídas estratégias de mudanças. Trata-se de uma metodologia que parte do externo, buscando modificar estruturas internas de funcionamentos mentais, neurológicos e emocionais. Desse primeiro ponto de vista, novas técnicas se desdobraram, nas quais o trabalho corporal se torna âncora para introspecções que ajudam na estruturação de mecanismos mentais.

A segunda vertente, ao contrário da primeira, parte do interno para o externo: do funcionamento da mente para as manifestações corporais e de atitudes.  Da mesma forma como, para alguns tipos de distúrbios, a abordagem mais eficaz é a comportamental, assim também, para outros, a abordagem mais indicada é aquela que parte da análise das manifestações internas. A psicanálise, cujo precursor foi o psiquiatra e pesquisador Dr. Sigmund Freud, desenvolve técnicas para desvendar e modificar comportamentos a partir de intervenções diretamente voltadas às manifestações do pensamento em suas várias instâncias.

O aprofundamento científico dos problemas relacionados à saúde permitem visões mais amplas das possibilidades de tratamento. Em alguns, há a necessidade de utilização de medicamentos e de tecnologias; enquanto que, em outros, o tratamento tem como base o contato pessoal com um mínimo de outras intermediações.  

Postado por José Morelli

 

sexta-feira, 10 de junho de 2022

Quando palavra vira palavrão

 Em casa onde falta pão, ninguém tem razão”. A sabedoria popular, desde tempos idos, criou este provérbio. Por sinal, nesta semana que está terminando, o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) divulgou novos dados que apontam para um crescimento, ainda maior, das desigualdades sociais e econômicas no Brasil. A distância entre os que mais têm e os que menos têm se tornou mais pungente (aguçada, penetrante, pontiaguda). Situação propícia para o recrudescimento de divergências nas quais, com facilidade, palavras viram palavrões e palavrões viram palavras. Nas redes sociais pululam mentiras e agressões das mais diversas mediante utilização de estereótipos.

Felizmente, os desafios históricos também instigam boas ideias, inspiradoras de caminhos mais claros à construção de entendimentos que ultrapassam ao óbvio das palavras, amplificando- lhes os significados. Foi nesse sentido que registrei dois pequenos textos de um cidadão penhense, empresário tradicional que, em vez de ignorar as dificuldades, prefere abordá-las aprofundando-se nos sentidos das palavras que as expressam.  O primeiro texto alerta para o seguinte: “Quem fabrica armas, quer guerra - Quem vive de juros, quer crises - Quem vende proteção, quer insegurança – Quem oferece limpeza, quer sujeira – Quem promete melhorias, quer dificuldades – Quem dá informações, precisa de caos”. Em síntese, os contrários necessitam-se uns dos outros.

O segundo texto diz: “Ser de direita, obviamente, não significa não ser canhoto, muito menos direito nas próprias condutas, viver com ética, ser melhor, ser mais bem informado, ser honesto, ser protegido pela lei ou também que seu emprego, sua empresa ou seu negócio está livre das crises econômicas que um mau governo cria. Então, antes de dizer que se é de direita ou de centro ou de esquerda é bom pensar no que é melhor para todos, sem distinção de cor, gênero, religião ou situação econômica”.

Estamos todos num mesmo barco. As coisas boas tendem a se propagar da mesma forma como as coisas ruins, também, tendem a se propagar. Cedo ou tarde, todos acabam por serem atingidos pelos respingos, sejam das coisas boas que acontecem sejam das coisas ruins.

Postado por José Morelli

 

 

Sinais dos tempos

 Nosso mundo pode ser o mesmo, desde que começou a ser habitado pelos humanos. A natureza que nele viceja pode apresentar diferenças, em suas manifestações. Os tempos, porém, em cada novo momento, inspiram novos significados, novas sinalizações, de acordo com as circunstâncias que, inexoravelmente, vão deixando suas marcas. Quantas diferenças podem ser percebidas entre uma década e outra, entre uma geração e outra.

Nestes últimos anos, as mudanças tecnológicas têm revolucionado a vida das pessoas. Cada vez mais, elas vêm interferindo diretamente no dia a dia dos indivíduos e da sociedade em seu todo. O imperativo de inovar tem levado a uma corrida entre aqueles que promovem esse processo, que se dá em escala global.

O acesso ao estudo é um direito de todos, desde à infância até às etapas mais avançadas. É evidente que essa democratização implica em mudanças profundas nas maneiras como acontecem as relações interpessoais. Enquanto alguns problemas são solucionados, outros são criados ou mesmo multiplicados.

Quem é avô ou avó, nos tempos atuais, pode se perguntar: “Será que meus avós sentiram por seus netos ou netas o mesmo que eu sinto pelos meus, hoje: essa sensação mágica de encantamento que nem eu mesmo consigo entender direito, como é...?” Num passado não tão distante, as famílias eram bem maiores. Os avós tinham que dividir atenção e afeto com um número maior de netos e netas. Aí, os avós de hoje podem, mais uma vez, perguntar: “Será que o fato de terem tido tantos netos e netas fizeram com que eles pulverizassem seus sentimentos e suas percepções?... O amor, necessariamente, não só se divide, mas pode até mesmo se multiplicar?...”

Incorporar as circunstâncias do momento presente, interpretando-as em seus sinais, é o desafio a ser enfrentado por toda essa nossa geração presente. Só assim é que poderemos contribuir, mais eficazmente, à construção de nós mesmos e do mundo que nos cerca.

Postado por José Morelli

quarta-feira, 11 de maio de 2022

Divisão de Tarefas

 Desde que o convívio entre homem e mulher passou a ser organizado, nas sociedades primitivas, algumas tarefas foram atribuídas aos homens enquanto outras às mulheres. Nas tribos indígenas, que habitavam as terras brasileiras na época do descobrimento, como costumam dizer os historiadores, a caça e a pesca eram tarefas reservadas ao homem e a agricultura à mulher. O mundo ocidental foi marcado pela influência do patriarcalismo, onde a figura do homem era a que exercia maior dominância. Já a sociedade africana é considerada matriarcal, uma vez que, nela, o poder da mulher marca mais profundamente as relações entre todos.

Resquícios dessas antigas culturas e tradições ainda são encontrados, principalmente, nos pensamentos e nos sentimentos de alguns segmentos de cidadãos e de cidadãs hodiernos. Ninguém ignora que a mentalidade machista ainda é forte em um número maior de pessoas do que se poderia imaginar. Por mais que a tal divisão das tarefas, hoje, venha sofrendo mudanças em suas práticas, o núcleo que justifica uma como que “reserva de mercado” ainda permanece intocável e soberano.

Algumas estruturas são mais resistentes às mudanças que outras. As chamadas máfias podem servir como exemplo. Tarefas ou serviços “sujos” eram ou são atribuições masculinas. Tarefas ou serviços “limpos” eram ou são atribuições femininas. As mamas e as mulheres, em geral, ignoravam os crimes que o marido e filhos praticavam.  Alguns desses crimes eram os próprios chefes que os praticavam, outros eram delegados aos subalternos. Às primeiras damas, esposas de políticos que ocupam postos do executivo, ainda hoje, são atribuídas tarefas que cumprem papéis de assistencialismos.

Independente das divisões de tarefas, homem e mulher são iguais no que diz respeito à própria dignidade e competência. Diferenças corporais são inegáveis. O psiquismo de cada um dos sexos também pode apresentar diferenças. O caminho histórico da humanidade tem despertado para o reconhecimento de grandes capacidades independentemente do sexo. Homens e mulheres são potencialmente competentes para exercerem as mais incríveis tarefas, necessárias à construção de qualquer sociedade humana.

Postado por José Morelli

domingo, 24 de abril de 2022

Sentido de pertencimento

O Sentido de pertencimento é o resultado da junção entre a razão e a emoção/constatação existencialmente experimentada/provada/degustada/saboreada por quem se entende membro de uma coletividade. Trata-se da crença subjetiva numa origem comum que une distintos indivíduos. Trocando em miúdo, podemos dizer que é a sensação de que pertencemos ao Mundo, ao Brasil, à Penha e de que o Mundo, o Brasil e a Penha nos pertencem. Consequentemente, símbolos desses lugares passam a expressar nossos valores, medos e aspirações. Características culturais e raciais que nos são comuns destacam-se por conta desta nossa consciência. Acreditamos, então, que não só podemos interferir na rotina e nos rumos desses lugares como temos o dever cívico e ético de fazê-lo.

Neste ano, nosso país estará comemorando 200 anos de sua independência. Sete de setembro faz parte do simbólico do Brasil - livre da submissão de colonialismos, regozijo para todos que possuem a consciência plena de pertencimento a este chão sobre o qual nossos pés se apoiam e se movimentam.  Ainda no mês de setembro, no dia oito, o bairro da Penha de França estará comemorando mais um ano de sua existência histórica.

O sentido de pertencimento é salutar em seus efeitos. Ele possui uma força em si mesmo. Quem dele compartilha sente-se mais seguro e forte, trazendo na própria consciência e na vibração das emoções as condições necessárias a uma vida humana com mais personalidade, com mais identidade. Os ícones que melhor representam a história e os valores compartilhados pelos cidadãos e cidadãs penhenses de nascimento e de coração, de todas as idades, servem-lhes como referências em seus juízos e entendimentos.

Com a participação da sociedade civil, através de suas instituições, estarão sendo organizados eventos comemorativos sejam de lazer ou de cunho cultural, instando a comunidade em seu todo para que desenvolva um maior sentido de pertencimento ao bairro. Está mais do que na hora da Penha voltar a receber, da parte de cada um de nós, um olhar benevolente e interessado, um olhar amoroso e de reconhecimento pelo lugar que nos acolhe e nos serve de impulso aos nossos projetos e realizações.   

Postado por José Morelli

 

quinta-feira, 21 de abril de 2022

Lógica do copo cheio

 Basta uma pequena distração, não percebendo que o copo já se encontra esgotado em sua capacidade, e a água transborda, derramando-se e perdendo-se para fora dele. É assim que acontece quando o copo está até as bordas e insistimos em jogar ainda mais água sobre ele. O peso com que a água cai sobre o copo também modifica a dinâmica de comportamento da água. A tendência é de que a água nova expulse a que já se encontrava no copo, substituindo-a gradativamente, independente da qualidade que tenha.

Esta é a lógica a que me refiro. A pergunta que não pode calar, no entanto, é a seguinte: O que temos nós a ver com isso? Basta um pouco de inteligência e o problema de não insistir, em situações semelhantes a essa, poderá ser contornado!

A evidência quanto à condição do copo é mais fácil de ser percebida. Porém, quanto às pessoas, se estas se sentem e se julgam já completas (à semelhança de um copo cheio) no que estão a fim de acolher, vindo dos outros, isso já exige alguma sutileza a mais para que possamos perceber, mesmo que não seja tão fácil disfarçar uma indiferença, principalmente, quando se trata de alguém que sabe esconder a presunção de se julgar autossuficiente. As melhores ideias podem ser desvalorizadas como se nada valessem.

Quanto mais fechada em si mesma, a pessoa presunçosa não consegue abrir-se aos outros. O contrário também pode acontecer e acontece: a pessoa insegura, que não tem a menor confiança em si mesma, pode deixar os conteúdos que lhe são próprios serem jogados para fora e perderem-se, substituindo-os por qualquer bobagem que lhe ofereçam.

Para que isso não aconteça é preciso cuidado de ambos os lados: de quem recebe e de quem oferece. Tentar enfiar goela abaixo, no outro, aquilo que entendemos ser bom para nós, provavelmente, vai encontrar resistência da parte de quem se percebe assim desconsiderado em sua dignidade pessoal.

Postado por José Morelli

sábado, 9 de abril de 2022

“É muita areia pra meu caminhão!”

O que é que se esconde por detrás dessa expressão tão usual entre nós brasileiros?... – Escondem-se, pelo menos, dois conceitos: o que é simbolizado pela areia e o que é simbolizado pelo caminhão. O primeiro deles é acompanhado do qualificativo muita. E o segundo é antecedido do pronome possessivo meu. O sujeito da frase, portanto, é a pessoa que a pronuncia, considerando-se a partir de seu próprio juízo como insuficiente ou incapaz. A frase, raríssimas vezes, é utilizada em sentido literal.

Muita areia pode se referir a uma pessoa muito bonita, muito sedutora, muito rica, muito prendada, muito inteligente, de condição social mais elevada, etc. etc. Pode também se referir a um bom emprego, a uma situação entendida como inacessível tendo em vista a exigência de qualidades que demanda para ser almejada.  

Acontece também dessa frase ser afirmada, com ênfase, por outra pessoa: “Você não se enxerga, não está vendo que é muuuita areia pra seu caminhãozinho?”... Nesse caso, a responsabilidade é de quem faz a afirmação. Se este é movido por boa intenção, sua advertência pode servir como um alerta, no sentido de proteger a quem viaja acreditando em um sonho impossível e irrealizável.

É claro que ambas as frases podem ser expressas levando em conta razões objetivas. No entanto, estas também podem ser expressas levando em conta ideias puramente subjetivas, sem fundamentos na realidade das pessoas e dos fatos. Quem pode saber, exatamente, o pensamento que se encontra na cabeça de cada pessoa?... Enganos homéricos acontecem principalmente em questões de relacionamentos pessoais. Diferenças, muitas vezes, não são vistas e entendidas como motivo de inviabilizar relacionamentos. Ao contrário, estas podem servir como motivação positiva para envolvimentos com ricas possibilidades de complementação. Não é raro acontecer de que opostos se atraiam, construindo excelentes resultados. 

Postado por José Morelli

sexta-feira, 1 de abril de 2022

Dialogar com a natureza

 Sem deixarmos de nos entender, a nós seres humanos, como fazendo parte da natureza em seu conjunto, nosso diálogo com o ambiente que nos cerca se dá constantemente, ininterruptamente, desde o momento em que cada um de nós começou a existir.

Dialogar é trocar mensagens, é estabelecer relacionamentos que acarretam modificações nos interlocutores. Dialogar é olhar para uma árvore florida e receber dela a imagem de suas formas e cores. Dialogar é pisar o chão com os pés e ter, a partir dele, o apoio para impulso de direcioná-los para a direção que quisermos. Dialogar é trocar com o calor, com o frio, com a chuva e com o ar úmido ou seco. Dialogar é fazer-nos entender e entender, chegando a denominadores comuns.

A natureza em sua imensidão é de todos e para todos. O diálogo é individual e coletivo. É uma tarefa que necessita de múltiplos e bem intencionados olhares. A água, os recursos hídricos que abastecem (ou deveriam abastecer) os reservatórios das cidades, em seu diálogo indispensável, fala e ouve com as populações e seus governantes. Dialogar com a água é entendê-la em suas abrangências e em suas particularidades.

Desde às 5:20 horas do dia de hoje (23 de setembro), a estação da primavera aportou em nosso hemisfério sul. A força da natureza ainda tem encontrado meios de se manifestar, mostrando-se mediante algumas de suas mais lindas expressões. É com flores de múltiplas cores e formas que a natureza nos convida a estabelecermos com ela um construtivo diálogo.

Um ensinamento oriental diz o seguinte: “Deus sempre perdoa, os homens às vezes e a natureza nunca”. O abuso no uso das tecnologias anda desviando os olhares daquilo que é mais fundamental e necessário. Quantos tropicões a fixação nos celulares já provocaram em tantos e tantas?... Que eles possam servir como alertas para que nosso diálogo com a natureza se construa sem que a partir dele precisemos amargar perdas irreversíveis.  

Postado por José Morelli

sexta-feira, 18 de março de 2022

Análise institucional

 Ou, se quiser, pode trocar a palavra análise por psicanálise institucional. De um jeito ou de outro, o instituído nunca deixa de trazer, em si, as marcas das pessoas responsáveis por sua feitura ou institucionalização, mediante uso de suas respectivas capacidades mentais e emocionais. Toda análise, para ser mais abrangente e profunda, não deve desprezar nenhum aspecto ou observação daquilo que é analisado, tudo tem seu por que: sua razão de ser ou justificativa. Nada é atoa: sem significado ou importância.  

Um exemplo bem nosso: desde que a Igreja do Rosário da Penha passou a ter maior visibilidade, com seu tombamento como patrimônio histórico pelo CONDEPHAAT em 1982 e, talvez mais ainda, com sua interdição pelo CONTRU em 1999, falas a respeito dela vêm sendo propaladas e, nem todas com o devido fundamento e consistência. Há quem diga que ela foi construída de costas para o antigo Santuário por que, naquele tempo, os negros escravizados ou libertos eram proibidos de nele entrar, sendo permitida entrada apenas aos brancos. Não existe nenhum documento que comprove que isso tenha acontecido por aqui. Em templos católicos de outros lugares não há dúvida que funcionava essa proibição, considerada correta e justa pelos mandatários da época.

Numa análise institucional, no entanto, não se pode descartar a hipótese de que os construtores do Rosário, os membros da Irmandade dos Homens Pretos da Penha de França, possuíam maior identificação com aqueles que se encontravam no sentido leste da cidade ou daqueles caminhos que conduziam às cidades ou povoados de São Miguel, Guaianazes, Conceição dos Guarulhos, Mogi das Cruzes e ao Vale do Paraíba, mais do que para o oeste, onde se instalavam os poderes constituídos, civis e religiosos, da então Vila da São Paulo de Piratininga.    

Hoje, não só por ironia do destino, a paróquia da Penha se encontra subordinada à diocese de São Miguel Paulista, mesmo que sua população, em grande parte, demonstre estar ideologicamente alinhada àqueles que, financeira e socialmente, são identificados como os mais bem sucedidos materialmente falando e que residem em zonas elitizadas da cidade; diferentemente da população da Vila Madalena se alinhar, comercial e politicamente, a segmentos mais populares da sociedade e menos providos de amparos legais.

Postado por José Morelli

terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

"Os vou-lás e os vai-timboras"

 Diante de tantas notícias de guerras, nossas cabeças ficam se perguntando, buscando explicações e tentando entender, um pouco melhor, sobre o que está acontecendo no mundo. Nas rodas de conversa, sempre vem o assunto sobre ela. Pouco a pouco, trocando informações, vamos construindo ideias e, na medida do possível, montando nosso “quebra-cabeças” de entendimentos sobre este e outros assuntos.

As guerras não são de hoje, como todos sabemos. Diferenças, desigualdades, sempre estiveram presentes em todas elas. Davi e o gigante Golias são um exemplo dessas desigualdades. Conta a Bíblia que o pequeno Davi conseguiu vencer Golias, utilizando-se de uma funda (uma espécie de estilingue da época). O escritor Maurice Druon, em seu livro: “O Menino do Polegar Verde”, fala da guerra entre os “vou-lás” e os “vai-timboras” – nomes sugestivos, que representam os contendores de quase todas as guerras: invasores e invadidos (agressores e agredidos).

No livro, o autor fala das desigualdades. Enquanto uns tinham muito e podiam gozar de todo o bem-estar; outros viviam em lugares feios e insalubres. Com seu dedinho verde privilegiado, o menino conseguiu transformar esses lugares, fazendo com que, neles, nascessem flores, muitas e belas flores, transformando-os em aprazíveis e saudáveis jardins. O final da história revela aspectos importantes, que ajudam a entender o que “rola” por de trás desse tipo de acontecimento. Na verdade, as guerras têm seus produtos e subprodutos. Sempre existem aqueles que esperam tirar proveito delas. Para estes, importa menos que se percam vidas humanas, desde que possam atingir seus objetivos.

Pelo menos teoricamente, nas atuais guerras, as desigualdades entre os contendores são flagrantes. Por um lado, armamentos de última geração teriam como condição preservar vidas de civis, destruindo apenas aqueles alvos em que se encontram soldados inimigos e armas; por outro lado, armamentos obsoletos e nada convencionais, que transformam pessoas em bombas destruidoras. De nossa parte, somos espectadores desse imenso teatro de tragédias. Se é por nós, para mover-nos e convencer-nos de alguma forma, que eles estão dando todo esse espetáculo de poder e de força, que tal se desligássemos a televisão e conversássemos um pouco mais sobre como fazer para construir, sem que para isso precisemos, antes, destruir tanto!...

Postado por José Morelli

 

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022

Exercício de introspecção

Introspecção é um olhar para dentro de nós mesmos, um voltar-nos para o nosso próprio interior. Nossa mente é capaz de se concentrar em algum ponto específico na parte interna de nosso corpo. Concentrando-nos nesse ponto, nos deixamos envolver por ele, conscientizando-nos, assim, de como ele é sentido e percebido por nosso pensamento.

Para exercitar-nos na introspecção, pode e deve ajudar-nos o uso de nossa imaginação. Imaginemos, então, que nossa mente é como uma pequena câmera de televisão, que vasculha parte por parte nosso corpo em alguns de seus órgãos e funções vitais. O ato de respirarmos pode ser o ponto inicial desse exercício. Concentramo-nos nele e percebemos o seu funcionamento. Acompanhamos todo o processo em que o ar é sugado do ambiente externo e se introduz, através das narinas, se conduzindo até nossos pulmões. Percebemos como isso tudo acontece automaticamente, de forma espontânea e natural. Na medida em que nossa mente se concentra, ela vai se apropriando do processo vital de respirar e de expirar, possibilitando de que este se realize de forma mais tranquila e profunda, com um aumento gradativo da quantidade de oxigênio em cada nova sucção do ar.

Da respiração, a camerazinha da mente se desloca para se concentrar nas pulsações do coração. Nosso pensamento se centra e se deixa envolver por suas batidas. Percebe e sente cada movimento. Funde a energia da mente com a energia de cada pulsação. A mente não cria o movimento vital do coração, apenas o acompanha e se conscientiza de sua ocorrência, apropriando-se dele. O controle da mente no sentido de manter-se concentrada num único ponto, já se constitui como um exercício altamente relaxante e desestressante.

Das pulsações do coração, a camerazinha pode se concentrar em outros órgãos e funções internas. De preferência, que sejam pontos em que algum sintoma esteja se manifestando, através de alguma sensação, confortável ou desconfortável. Todo sintoma é uma forma que o organismo se utiliza para chamar a atenção da mente. Sem se deixar contaminar com imaginações negativas, é importante que a mente não fantasie idéias preconceituosas a respeito do sintoma. O exercício de introspecção ajuda para que pensamento e sensações se acoplem, se reconheçam e se desvendem em seus segredos íntimos, apropriando-se ambas de suas respectivas energias vitais.

Postado por José Morelli

segunda-feira, 31 de janeiro de 2022

Seres únicos

 Cada indivíduo é único, funcionando física, mental e emocionalmente com seu jeito próprio de ser. O preço de ser quem é e como é, exige sempre algum pagamento a ser feito. O DNA herdado, somado às contingências históricas, vivenciadas desde o útero materno, se constituem como condicionantes para o desenvolvimento das maneiras próprias de cada um de nós, na condição de pessoa única (e una), inconfundível na própria realidade em que nos constituímos.

A beleza da vida humana se encontra na possibilidade desta se recriar, na medida em que se confronta com novos desafios. A constatação, o reconhecimento das próprias limitações e dificuldades, associado ao inconformismo frente às perdas indesejáveis que estas acarretam, pode ser entendido como oportunidade que a vida dá (à semelhança de uma bola levantada na frente do gol), a fim de que marquemos não apenas um, mas muitos gols.

Mesmo que, como diz o provérbio popular: “quem segue aos seus não degenera”, ainda assim, a reprodução dos comportamentos apreendidos não é suficiente para o atendimento das constantes demandas do presente. Estas são sempre revestidas de alguma dificuldade nova e necessitam de novos e novos aprendizados, a fim de que se ampliem nossos repertórios de respostas a serem dadas em cada situação.

Quem, por medo de aventurar-se, busca os caminhos mais batidos, inevitavelmente acabará por capitalizar perdas irreparáveis em sua trajetória de vida. Quem, por dificuldade de se reconhecer em suas características próprias pessoais, familiares e antropológicas, recusando-se a identificar-se com os padrões herdados e adquiridos na própria história compartilhada de vida, acabará também por construir-se de maneira insatisfeita, negando-se a si mesmo felicidade e realização.

Postado por José Morelli

 

quinta-feira, 13 de janeiro de 2022

"De medo de morrer, não viveu!"

 Medo se contrapõe a coragem. Esta é capaz de apostar mais na força da saúde, enquanto que o medo é mais vulnerável e sensível ao poder da dissociação da doença e da morte. Por efeito do medo, o corpo e o espírito se encolhem. Por efeito da coragem, ao contrário, o corpo e o espírito se expandem, podendo ultrapassar-se em seus limites, chegando a lugares e situações nunca antes alcançados.

A mãe que teme exageradamente pela sobrevivência do filho, impede-o de desafiar-se e de expandir-se em suas potencialidades. Com isso, causa-lhe um grande prejuízo que é o de não deixa-lo crescer e tornar-se um ser adulto autônomo. Para assegurar-se de mantê-lo preservado faz com que sua vida pessoal e social permaneça pequena, circunscrita tão somente aos limites da própria casa e do grupo familiar a que pertence.

Por detrás de cada atitude humana reside sempre um modo de pensar (conceituar) e de sentir a existência de si e dos outros. Visões objetivas são capazes de reconhecer o que existe de positivo e o que existe de negativo nas pessoas e na vida em geral. Num mundo onde se acentuam situações extremas, enquanto uns se arriscam expondo-se a riscos num número crescente de esportes radicais, outros se fecham em copas não se atrevendo nem a levantarem os olhos para verem e encararem o que se encontra diante deles.

O fato de possuir um convênio médico de qualidade pode ser um fator positivo no cuidado com a saúde pessoal e familiar. Um equilíbrio na utilização dos recursos por ele oferecidos ajuda, tanto na saúde física como na saúde psíquica daqueles que podem contar com tal assistência. No entanto, a facilidade de acesso às consultas médicas, exames de todos os tipos, tratamentos e cirurgias pode induzir a excessos.

Entrar na engrenagem de preocupações neuróticas, desacreditando totalmente de si e da própria capacidade de manter-se sadio constitui-se como um perigo real. Inconscientemente, essa condição de maior poder que os outros faz com que o indivíduo sinta o ego massageado quando fala, com propriedade e conhecimento de causa, sobre médicos, tratamentos, remédios. Os assuntos de pessoas assim preocupadas, invariavelmente, passam a girar em torno do tema da insegurança gerada pelas doenças. Assuntos mais leves e descontraídos deixam de fazer parte das conversas, substituídos por estórias infindáveis sobre doenças, tratamentos e remédios.

Postado por José Morelli