terça-feira, 30 de outubro de 2018

Afeição e medo da rejeição

Karen Horney era doutora em medicina. Em seu livro: “A Personalidade Neurótica de Nosso Tempo”, ela traz o exemplo de como se sente a pessoa que é dominada por uma necessidade neurótica de atenção. Em vista de seu sentimento, essa pessoa, interiormente, diz assim: “Os outros não gostam de mim, de modo que é melhor ficar num canto e assim proteger-me contra qualquer possibilidade de rejeição”.

Quando a necessidade de afeição é muito intensa, o medo de não satisfazê-la e de sentir-se rejeitado passa também a ser intenso. Esse medo é o maior obstáculo da pessoa na busca da afeição. Entendendo dessa forma, fica mais fácil compreender o fato de pessoas, com grande necessidade de afeição, serem mais agressivas, justamente com aqueles (as) de quem recebem ou poderiam receber atenção ou afeto.  

O simples desejo de afeição já pode representar ameaça, uma vez que, do desejo, poderá advir alguma repulsa. Assim, a pessoa se reprime naqueles desejos que, mesmo de longe, possam levá-la ao envolvimento afetivo. A timidez, nesses casos, não passa de um mecanismo de defesa. Da mesma forma, a convicção assumida de não ser digno ou digna de amor é também outra maneira de se criar uma proteção contra possíveis desilusões.

O indivíduo com necessidade neurótica de afeição prepara armadilhas para si mesmo. Consegue “estragar” o que de melhor poderia lhe acontecer. Muitas vezes, no momento em que tudo parecia que ia dar certo, adota atitudes que, simplesmente, destroem a possibilidade de o envolvimento afetivo se consolidar.

Nasce, então, o desespero. O indivíduo não se dá conta de que foi ele próprio que preparou as armadilhas, nas quais se enredou. Não consegue desvendar as confusões por ele mesmo preparadas. O desespero é a resposta que tem a dar a tudo isso. O relacionamento afetivo termina na esperança de que outro o venha substituir, na esperança de que não lhe aconteça ter de reviver novamente todo esse doloroso processo. Esse círculo vicioso só pode ser minorado, caso o indivíduo, através de uma terapia de autoconhecimento, desvende para si os segredos que dão origem às suas reais  dificuldades.  
Postado por José Morelli

quinta-feira, 18 de outubro de 2018

"Fio da meada"

Encontrar o “fio da meada” é uma expressão de nossa língua portuguesa. Vi, no dicionário, que “meada” significa “porção de fios dobrados, emaranhados”. Quem já passou pela experiência de ter de desmanchar um emaranhado de fios, sentiu a importância de encontrar a ponta, a fim de tornar a tarefa menos demorada. Desde que a tenha identificado, não que o trabalho deixe de apresentar dificuldade, mas passa a render e a ter uma razão de continuidade e de progressão: com princípio, meio e fim.

Desmanchar um emaranhado de fios é um processo a ser realizado em etapas. Respeitar a sequência natural dessas etapas, contendo-se na própria ansiedade, é um fator indispensável para que a ação seja realizada de maneira mais eficaz. A voz do povo alerta que “a pressa é inimiga da perfeição”. De fato, a pressa dificulta os indivíduos de entrarem em contato com aquilo que estão fazendo. A sintonia do olhar com o objeto de sua ação, a boa coordenação dos movimentos das mãos... Essas e outras condições se tornam mais difíceis pela falta de certo controle da emoção.

Um emaranhado de fios pode muito bem servir de comparação para muitas situações da vida, no dia a dia. Embora nenhuma comparação seja perfeita em sua capacidade de esgotar toda a realidade, ainda assim não deixa de ajudar tanto na expressão das ideias, através da linguagem, como no exercício dos próprios desempenhos, mediante atitudes concretas, que envolvam o corpo, forçando-o a mobilizar-se e a mexer-se adequadamente.

Pensando no que foi exposto até aqui, talvez se possa dizer que o corpo é a ponta do fio da meada. Encontrando-a no corpo, fica mais fácil “desenrolar” o problema, no que ele tem de mais oculto ou profundo. Neste caso, as partes do corpo envolvidas poderiam ser entendidas como “terminais”, assim como os dos computadores, ligados às centrais de informações e de dados.

A profundidade ou complexidade da vida humana, no entanto, não pode resumir-se a noções mecanicistas. Embora certas ideias e metodologias possam ajudar na solução de problemas de ordem psicológica, não conseguem esgotar o que é necessário para o desvendamento mais completo de suas causas e natureza. Na mão dupla dos caminhos, o sentido oposto representado pelo inconsciente e seus meandros completa os recursos disponíveis, constituindo-se num imenso arsenal, dinâmico e incomensurável, a disposição dos profissionais, que se dedicam a esse estudo e à busca de solução de problemas existenciais dos seres humanos.  

Postado por José Morelli

terça-feira, 9 de outubro de 2018

Pano de fundo do palco interior

O pano de fundo do palco, nos teatros, se complementa com os bastidores, cujos espaços intermediários servem à entrada e saída de cena dos personagens. Desde que nossos olhos passaram a captar imagens, nossos ouvidos a perceber a diferenciação dos sons, nosso nariz e boca a se darem conta, respectivamente, dos cheiros e dos sabores, nosso tato passou a atinar para as diferenciações entre as sensações percebidas na pele, passamos a armazenar referências que povoam nosso imaginário, subsidiando a tudo aquilo que pensamos e entendemos.   

Através de nosso palco interior antecipamo-nos aos acontecimentos. Nele representamos a nós mesmos, juntamente com os demais personagens, com os quais imaginamos que iremos contracenar nos múltiplos papéis que desempenhamos em nosso dia a dia. Preparamo-nos para o que vamos fazer dispondo-nos interiormente. O professor, ao preparar suas aulas, já imagina como seus alunos irão responder aos estímulos que deseja utilizar em suas estratégias de ensinamento. O pano de fundo desse palco interior do professor pode ser permeado de otimismo ou de pessimismo. A coloração e a luminosidade das imagens impressas no fundo desse palco podem servir ao encorajamento ou ao desânimo do professor. As consequências desse pano de fundo se refletem no aprendizado dos alunos.

Cada profissão sobrevive a partir do palco interior que cada profissional carrega em seus referenciais. Quando a mídia faz uso excessivo das notícias policiais para ganhar audiência, os referenciais dos profissionais dessa área transparecem nas notícias. O olhar aguçado para discernimento de quem é mocinho e de quem é bandido vai sendo repassado aos destinatários das notícias, contaminando suas mentes. Da mesma forma, os agentes religiosos que se utilizam dos canais de televisão para, ininterruptamente, transmitirem suas mensagens, repassam subliminarmente o pano de fundo de seus juízos e julgamentos.

O pano de fundo de nosso palco interior se reflete em nosso modo de falar, de olhar, de nos posicionarmos frente às situações. Ele pode ser pleno da luz do sol, como pode ser carregado de nuvens escuras e ameaçadoras. Ele pode ser alegre como uma paisagem florida ou tristonho como um muro cinzento e sem vida.

Postado por José Morelli

sábado, 6 de outubro de 2018

Tese, antítese e síntese

A tese é a situação presente, o chamado “status quo”. A antítese (que se opõe à tese) é algo novo e diferente, às vezes diametralmente contrário, que vem ameaçar a estabilidade da situação presente. A tese e a antítese entram em confronto para ver qual das duas consegue se impor uma à outra. Desse confronto resulta uma Síntese, que é o resultado final com o surgimento de uma nova ordem a ser seguida, diferente e mais completa do que a anterior.

Com relação à saúde das pessoas, acontece algo semelhante: um indivíduo pode se encontrar saudável; porém, não totalmente resistente a ataques viróticos, uma situação presente que pode ser entendida como de uma tese. Acontece de esse indivíduo entrar em contato com ambientes infectados de algum vírus de gripe, situação esta que se apresenta como de uma antítese. Inicia-se, então, uma luta entre o organismo indefeso e o vírus; mas, num segundo momento, o primeiro se recompõe, ganhando nova resistência imunológica. O “veneno” do vírus transforma-se em força a ser utilizada pelo organismo, em futuros embates.

Nos dois exemplos citados existe uma lógica. Um provérbio popular costuma dizer que “o que não mata... engorda”! Existe sempre certo medo de que a antítese possa vir a matar. Para que isso não aconteça é necessário que o organismo seja mais forte que a virose e não se deixe vencer por ela.
Com relação à força psicológica ou mental/emocional, dos pensamentos e dos sentimentos, essa mesma lógica também funciona. Toda pessoa se constitui como personalidade, uma maneira de ser e de agir, que é como uma marca registrada, servindo-lhe como base em sua autoafirmação. Esta base é como uma tese. Na vida de qualquer pessoa, no entanto, é inevitável que tenha que checar a força de sua personalidade, confrontando-a com a de outra ou de outras pessoas.

Egos se confrontam. Tese e antítese passam pelo processo de terem que se desgastar em árduas luta. Pessoas que se mostram como “de estopins curtos” são um perigo. Dependendo da maneira como se entendem e entendem o processo pelos quais passam, será o resultado final. A síntese poderá ou não ser proveitosa tanto para uma como para outra das pessoas envolvidas. O mesmo vale com relação às coletividades que representam posicionamentos antagônicos.

Postado por José Morelli