quinta-feira, 27 de maio de 2021

Bom ouvinte

A natureza, em sua sabedoria, dotou os humanos e a quase totalidade dos animais com dois ouvidos para ouvirem e uma boca, apenas, para falar. Uma proporção de dois para um. A fala de cada indivíduo é resultado de suas conclusões pessoais, enquanto que o que seus ouvidos ouvem é produto da elaboração de muitos. A proporção de dois para um, portanto, pode representar certo equilíbrio na arte de fazer uso da própria audição e da própria fala.

Dependendo das circunstâncias de vida de cada pessoa, o ato de revelar-se pela fala não é tão fácil de ser realizado como se poderia supor. Não são poucos os que, por alguma razão, criaram obstáculos à própria comunicação encontrando grande dificuldade de falar de si mesmos. Um mínimo de confiança no outro é condição indispensável para que alguém se sinta encorajado a se revelar em suas dúvidas, segredos e intimidades.

Bom ouvinte é aquele que consegue dar mostras de sua capacidade de acolher e de ouvir o que o outro tem a lhe dizer. As pessoas se constroem cada uma à sua maneira. Não há quem possa viver em total solidão. Nenhum ser humano é uma ilha, como se costuma dizer. As pessoas se complementam em suas necessidades. A sociedade, considerada em seu conjunto, precisa tanto daqueles que desenvolvem a capacidade de falar com propriedade como daqueles que desenvolvem a capacidade de ouvir, especializando-se como bons ouvintes. O sentido de segurança pessoal precisa ser reforçado por algum consenso ou concordância dos próprios juízos e entendimentos. Para acreditarem em si mesmas, as pessoas precisam de certa aprovação quanto ao que pensam, sentem e imaginam.

Ao falar de si mesmo, o indivíduo também se ouve. Sua fala sai de sua boca e entra por seus ouvidos. Dos ouvidos, volta à mente, permitindo que os pensamentos sejam reformulados, caso isso seja necessário. Para ser entendida, a fala precisa de um mínimo de organização: pensamento e emoção devem se encaixar e se contemplar mutuamente em suas importâncias Esse é um processo que ajuda na reformulação da própria identidade pessoal e do meio em que vive. Um verdadeiro tratamento psicológico que ajuda no desenvolvimento da saúde mental e emocional.

Postado por José Morelli

  

quarta-feira, 19 de maio de 2021

Vasos comunicantes

 Se, num lugar em que chega pouca água, devido à altura em que este  este se encontra, os moradores têm que fazer reserva durante a noite, quando o consumo da cidade é menor, é recomendável que as casas disponham de duas caixas d’água no lugar de uma. Normalmente, a água vinda da rua entra através de uma das caixas. Para passar à outra caixa é colocado um cano interligando as caixas, na altura de sua base, com um pequeno declive da primeira para a segunda.

Na medida em que a água vai entrando na caixa principal, esta vai passando à caixa sobressalente. Na física, este experimento pode ser chamado de “vasos comunicantes”. A diferença na quantidade de água de cada caixa depende do diâmetro de cada uma. A que tiver maior diâmetro conterá maior quantidade de água. O nível das duas permanecerá sempre o mesmo.

A comparação que este exemplo permite é simples, sem dúvida, mas serve para mostrar um fator que não acontece apenas com os vasos comunicantes, sejam eles compostos por dois ou mais compartimentos, à semelhanças das caixas d’água acima citadas. Uma interligação também acontece com as pessoas em suas interações. Quanto maior a profundidade dos afetos existentes, maior será a fluidez com que as emoções mútuas são compartilhadas.

A própria condição de “gente”, comum às pessoas, pode ser comparada ao cano que ligas as caixas d’água compartimentadas.

Não é sempre que se percebe a passagem das influências (boas ou más) que todos recebem do ambiente, dos acontecimentos e das outras pessoas. Inconscientemente, muitas dessas influências vão entrando e se acumulando. As tensões do momento são captadas e o estresse ou desgaste pode ter, nesse fato, um de seus agravantes.

No campo da espiritualidade, algo parecido com esse fenômeno pode ser reconhecido na chamada doutrina da “comunhão dos santos”. A graça nunca seria individual apenas mas compartilhada com o coletivo.

terça-feira, 4 de maio de 2021

"Sair da casca"

 As cascas, que envolvem a maior parte dos frutos existentes nas diversas espécies de plantas e árvores, se assemelham às embalagens que a natureza, em sua sabedoria, projetou e concretizou. Até que amadureçam, os frutos precisam da proteção de suas cascas. Para que a água e a polpa do coco sejam extraídas é preciso furar e/ou quebrar a casca do fruto.

Diferentemente das embalagens industriais, as produzidas pela natureza não degradam o ambiente. Estas, pelo contrário, até passam a servir como excelentes fertilizantes da terra, ajudando para que outras plantas possam continuar a se desenvolver e a produzir novos frutos.  A necessidade das cascas perdura por um determinado tempo. Quando os frutos amadurecem, é imprescindível que saiam naturalmente ou sejam retirados de suas cascas, a fim de que possam cumprir o papel para o qual foram destinados, que é o de servir ao sustento de animais e de pessoas.

Os seres humanos também, de forma comparativa, constroem proteções (cascas) nos seus juízos e sentimentos. Em dados momentos, essas cascas são necessárias. Porém, na medida em que vai se dando o amadurecimento de cada indivíduo, aquilo que era proteção necessária passa a ser impedimento ao desenvolvimento pleno.

Os perigos que envolvem a vida humana podem ser reais ou imaginários. Os mecanismos que a mente idealiza para se proteger dos perigos (internos ou externos) ora são reais e legítimos ora não encontram justificativas. De maneira subconsciente, a mente se utiliza de mecanismos de defesa para evitar que se exponha a sofrimentos. O desvendamento desses mecanismos, juntado à coragem de enfrentá-los, se constituem como forma de quebra e de saída da própria casca.

A castanha é um fruto bastante apreciado por seu sabor e qualidades nutricionais. Para poder servir ao consumo; no entanto, é preciso retirá-la de sua casca, tarefa nada fácil. A casca da castanha é envolvida por duros espinhos. Para não se machucar, é preciso quebrá-la com algum instrumento: um pedaço de pau ou martelo. A tarefa de quebrar a própria casca do eu e sair dela pode ser comparada à retirada da casca da castanha. Além da vontade firme é preciso boa dose de coragem e determinação na constante busca do autoconhecimento e do auto-redirecionamento.