segunda-feira, 31 de julho de 2023

Espelhamo-nos constantemente!...

 Sim, é o que fazemos sempre, dormindo ou acordados, através de tudo o que, de alguma forma, nos chega ao cérebro. Nossa capacidade perceptiva é exercida através de nossos cinco sentidos. São eles que captam o que se encontra ao nosso alcance, seja de forma real seja de forma virtual.  Nosso cérebro, com sua capacidade de discernir, penetra com certa profundamente no entendimento das pessoas e das coisas, posicionando-nos perante cada uma delas.

Conscientizamo-nos de nós mesmos e do mundo à nossa volta. Permitimos ou não que nossas percepções se sedimentem ganhando maior consistência e significância. Voamos com nossos pensamentos. As solicitações, de ver – ouvir – tocar – degustar - cheirar, são tantas que é preciso seletividade nas horas de elegê-las como preferenciais.

A palavra espelhar-se remete àquilo que entendemos como um objeto: o espelho. Dependendo da luz que incide sobre o espelho, este reflete as imagens nele projetadas. Estas vão e voltam. Levam nossas imagens até ele e ele no-las devolve ao contrário da posição com que chegaram. É, por isso que, nas imagens refletidas, nosso braço direito é o esquerdo e, o esquerdo, é o direito.

Nas estórias infantis e na mitologia encontramos dois famosos espelhos: um é o da madrasta da Branca de Neve que, ao mirar-se em seu espelho mágico, perguntava: “Espelho, espelho meu, diga-me se existe alguém mais bonita do que eu?” O da mitologia é o formado pelo lago onde Narciso, ao se ver refletido no mesmo, apaixonou-se por sua própria imagem, não conseguindo ver mais ninguém além dele mesmo. Não foi capaz de perceber e dar atenção aos olhares da Ninfa que também o admirava e desejava.

As imagens, em si mesmas, são objeto apenas: coisas simplesmente. As pessoas não são coisas, são consciências capazes de entender e de modificar. Nossa vida consciente nos permite que, instantaneamente, interpretemos as imagens invertidas (de cabeça para baixo), projetadas através de nossas retinas sobre o nervo ótico.  Somos gente, sujeitos capazes de assumir responsabilidades quanto ao que pensamos, sentimos e fazemos. 

Postado por José Morelli

 

Feliz Natal!

 É da história que boas notícias vieram de uma Mulher. Mais precisamente, de sua barriga grávida. A notícia de um nascimento é sempre plural. Através dele, há um desdobramento do Bem, que vai se difundindo por si. É da história também que, antes de chegar à barriga, a criança foi aceita na decisão do pensamento e no amor do coração. Maria foi consultada pelo anjo e sua resposta foi SIM. Da massa cinzenta, da pulsão de vida, da natureza que o cosmos contém, desse íntimo surgem boas novas, que permearam e vem permeando a trajetória dos homens há mais de dois mil anos. A harmonia deve vir do íntimo. As boas, as melhores notícias, devem vir, também, desse mesmo íntimo.

Fanías, do grego, significa manifestações. Teós, da mesma língua, significa Deus. Teofanias são manifestações de Deus. Existem muitas nas mitologias. Na história de antigas civilizações encontram-se narrativas de nascimentos de deuses e de semideuses. A presença da mulher no processo da vida, emprestando seu corpo, qual semente fértil, é uma constante nas manifestações desses seres divinos, superiores. No pensamento da humanidade a esperança encontrou formas concretas, corporificadas, capazes de traduzir os melhores desejos, guardados na intimidade de cada pessoa.

Enquanto a divindade desce à Terra, valorizando-a e valorizando seus filhos, os que nela tiveram origem se projetam em grandezas, no valor da divindade, encontrando sentido em uma vida superior, menos limitada e menos imperfeita. Arrogam-se poderes, muitas vezes indevidamente.

O fato de um Deus vir à Terra para viver a vida dos homens, participando de tudo o que dela faz parte, desde as alegrias e esperanças, até as dores, tristezas e mesmo morte é uma espécie de validação dessa mesma vida. É como se O Criador quisesse dizer: Não existe outro caminho mais glorioso para vocês humanos, senão o de serem plenamente o que são, com todas as grandezas e com todas as limitações que dessa natureza faz parte. Para nós seres humanos o caminho é o da humanidade, se bem que elevada, em dignidade, à altura do Filho de Deus Encarnado. Tudo o que faz parte deste contexto é profundamente nosso e deve ser vivido com a máxima intensidade, plenamente assumido e degustado, sugado até a última gota, seja doce, amarga ou azeda, não importa. Da mulher, de seu íntimo, do imo de seu coração e de sua decisão vem uma das mais profundas lições da natureza e da fé.

Postado por José Morelli

 

Tempo forte de cidadania e de fé

 Neste final de semana, como manda a tradição, os festejos do Rosário da Penha serão encerrados com a solene retirada do mastro. Depois de um mês inteiro de eventos culturais e religiosos, cuidadosamente preparados pela Comissão de Festa, com início previsto para as 10 horas da manhã, do domingo, o descerramento do mastro será precedido pela celebração eucarística, animada com elementos de cultura afro e realizada no interior da igreja.

A comissão organizadora, formada por representantes da comunidade e por outros coletivos: membros da pastoral afro da Paróquia Jesus Adolescente de Vila Dalila e do Movimento Cultural Penha, vem se esforçando para fazer da festa, em seu todo, um tempo forte de cidadania e de fé. 

O objetivo tem sido o de sensibilizar e de conscientizar a todos os participantes da festa para a expressividade de um importante patrimônio histórico da cidade: a Igreja de Nossa Senhora do Rosário, tombada pelos órgãos de preservação de patrimônio, tanto do Estado como da Prefeitura. As taipas de suas paredes testemunham a presença histórica, na cidade de São Paulo e no bairro da Penha, dos membros da antiga Irmandade dos Homens Pretos da Penha de França, que a construíram e de seus sucessores, que a mantiveram em seus mais de duzentos anos de existência.

A cidadania supõe conhecimento e reconhecimento. Daí o esforço de trazer para a festa grupos culturais e de religiosidade popular, ligados à devoção a Nossa Senhora do Rosário, existente em tantos outros recantos do território brasileiro, bem como a São Benedito e a outros santos e santas de origem africana.

A riqueza cultural desses grupos populares se manifesta através do conteúdo poético das letras de suas músicas, no vigor das batidas dos tambores e nas danças e evoluções que desenvolvem. O tema escolhido da Festa de 2016 contemplou a criança: “Há uma criança em meu coração, quando balanço ela me dá a mão”. Esse tema ensejou reflexões que podem levar a tomadas de atitudes fundamentais, no sentido da valorização do brincar e do cuidar tanto da criança interna como daquelas que vivem a infância, no momento presente, necessitando de proteções e atenções que as preparem para o futuro. 

Postado por José Morelli  

Mínimo indispensável

 Nem todo lugar, cidade ou bairro, possui uma lenda que seus primeiros habitantes tenham construído a respeito de sua origem. Nosso querido bairro da Penha de França se inclui dentre aqueles que foram aquinhoados por essa peculiaridade histórica. Contam desde tempos imemoriais que um viajante francês, passando por estas bandas e trazendo consigo uma imagem de Maria, a Mãe de Jesus, ao se encontrar a meia encosta do outeiro, resolveu fazer uma paragem a fim de descansar, tomar uma água fresca de fonte e, de quebra, contemplar a linda paisagem da planície que se descortinava desde o futuro Tatuapé até a várzea do Tamanduateí, próxima da Vila de São Paulo de Piratininga. 

Recomposto em suas energias, o viajante continuou seu caminho rumo ao leste. Só depois de ter se distanciado muito, voltou a parar mais uma vez. Foi aí que percebeu que a imagem já não se encontrava junto com seus pertences. Imediatamente, retornou ao lugar de seu último pouso em busca da imagem esquecida.

Por três vezes, o mesmo fenômeno aconteceu, motivo suficiente para que o francês entendesse que, nesse fato, havia uma mensagem embutida: Nossa Senhora escolhera o outeiro para ali estabelecer sua morada definitiva. Resolveu, então, construir no lugar uma pequena capela na qual colocou, sobre um altar, a bela imagem. A escolha fora dela e não havia o que discutir. Assim como o chamado à existência de cada um de nós foi por iniciativa de Deus Criador e não nossa, assim também, quem primeiro livremente escolheu a Penha foi Nossa Senhora e não a Penha que a escolheu, movida por puro amor ao lugar e ao povo que nele vivesse ou por ele eventualmente passasse.

Esta lenda foi inspiradora para os antigos habitantes da Penha e da cidade de São Paulo, da mesma forma como pode ser para nós que, hoje, temos a ventura de vivermos dentro dos limites deste nosso bairro que, neste ano, está comemorando 353 anos de história. Os tempos atuais são bicudos. Mais do que nunca, mínimo indispensável é que o povo se irmane em torno de pensamentos positivos e de construção de uma sociedade fraterna e interessada no melhor para todos e todas, sem distinções de classes, diferenças de gênero, de etnias ou de religiões.  Esta é a lição que estamos sendo convidados a aprender e praticar.

Postado por José Morelli

Lendo e relendo a Penha de França

 Quando rezamos a oração da “Ave Maria”, trazemos para o nosso momento presente, para o nosso “agora” o acontecimento expresso nas palavras que estamos pronunciando, mesmo que se refiram a um acontecimento que se deu, historicamente, a mais de dois mil anos atrás, como é o caso do anúncio do anjo Gabriel a Maria, dizendo-lhe que ela havia sido escolhida por Deus para se tornar a mãe de Jesus, o Salvador anunciado pelos antigos profetas.

A oração tem esse poder. Funciona como um sacramental: deste modo, ela significa e realiza o mistério proclamado. Não só palavras funcionam assim, gestos e atitudes também servem à expressão de pensamentos e de sentimentos. Se estes traduzem fé, igualmente servem ao diálogo entre nós, criaturas, com o sagrado que nos é acessível sensivelmente. Deste modo, a história vai se construindo no tempo e no espaço, podendo ser por nós interpretada em suas linhas e entrelinhas.

Imagens também podem ser entendidas como sacramentais. Pela materialidade com que se constituem, estas podem ser vistas e tocadas. Na qualidade de sacramentais, as imagens significam presenças. De acordo com o historiador penhense, Dr. Sylvio Bomtempi, o título de Nossa Senhora da Penha de França é, comprovadamente, originário da Espanha. Em seu livro “Penha Histórica” assim se expressa: “Em Salamanca, no monte da Penha, na serra de França, ergueu-se uma capela dedicada à Imagem da Mãe de Deus lá encontrada por Simão Rolando em 18 de maio de 1434, quando em peregrinação a Santiago de Compostela“.

Quanto à chegada aqui da imagem de Nossa Senhora da Penha, a data precisa não nos é conhecida. Por força desse desconhecimento, como era comum à época dos bandeirantes, das cidades por eles fundadas, algumas destas também possuem versões míticas quanto às suas origens. A nossa Penha de França se inclui entre às que possuem. Reza a lenda que um viajante francês, passando pelas regiões que no futuro se tornariam nosso bairro, trazia consigo a imagem de Nossa Senhora da Penha. Estando à meia encosta da colina, resolveu descansar um pouco antes de continuar viagem. Algumas horas depois, despertou, juntou seus pertences e retomou viagem. Tendo cavalgado por mais algum tempo, percebeu que a imagem não se encontrava com ele. Voltando ao lugar onde havia descansado não é que a imagem estava ali!... Tomou-a em suas mãos e a carregou consigo novamente. Por três vezes, aconteceu o mesmo fato. Com isso, o francês entendeu que Nossa Senhora estava manifestando-lhe sua vontade de ali ficar. Era naquele lugar que ela queria permanecer. Providenciou, então, a construção de uma pequena capela, onde a imagem passou a residir e a atrair pessoas.

É claro que nos é reconfortante a ideia de que foi Nossa Senhora que escolheu permanecer no lugar em que moramos. Restaria, porém, a dúvida de que isso não passasse apenas de uma fantasia sem fundamento na realidade dos fatos. No entanto, um acontecimento ocorrido por volta do ano de 1685, envolvendo a figura do bispo do Rio de Janeiro, Dom José de Barros de Alarcão, veio reforçar a mensagem contida na lenda do viajante francês. Tendo edificado uma Igreja e uma Casa de Recolhimento, entre o Pátio do Colégio e o Carmo, esse bispo intencionou levar a imagem de Nossa Senhora da Penha para que passasse a ocupar aquela sua fundação.

No livro acima citado, o Dr. Sylvio relata que “a angustiante decisão veio ao conhecimento dos moradores da Penha. Apressaram-se a ir à capela numerosas mulheres ao despontar da manhã em que se faria a lastimosa transladação, e como a vissem fechada, sinal para elas de consumação do plano, começaram a chorar e mostrar ruidosamente toda a sua amargura, Chegaram não poucos homens, cresceu a aglomeração de pessoas, aumentaram os clamores, mas a todos surpreendeu a repentina abertura da porta, e todos, reconfortados e jubilosos, puderam verificar continuava no altar-mor a imagem querida”.

Os vitrais que filtram a luz solar, na parte superior das paredes da basílica, todos eles trazem representações de Nossa Senhora, em seus múltiplos títulos. Esses títulos surgiram da presença histórica de Nossa Senhora nesses dois mil anos de cristianismo. No mundo inteiro, Nossa Senhora deu demonstração de que não abandona seus filhos. Assim como Jesus, Ela também permanece presente junto à humanidade, mediando o Amor de Deus-Pai, com solicitude de Mãe Carinhosa, em todos os tempos e lugares.

Postado por José Morell

 

Antigo ramal ferroviário da Penha

Saindo da linha tronco da então denominada Estrada de Ferro do Norte - hoje Central do Brasil, na altura aonde, alguns anos depois, veio a ser edificada a Estação Guaiauna (depois chamada de Carlos de Campos), o ramal ferroviário da Penha vinha até a Estação Penha, próximo da atual Rua (ladeira) Coronel Rodovalho. Sua extensão era de 1.240 metros. Inaugurada por volta do ano de 1875, sua construção atendia à demanda da grande quantidade de romeiros que, vinda da Estação do Norte, no bairro do Brás, se dirigia à igreja e ao centro do bairro da Penha, principalmente nos meses de setembro, quando aconteciam as famosas festas em honra de Nossa Senhora da Penha, popularmente reconhecida como Padroeira da Cidade de São Paulo. O ramal e a estação foram desativados com a vinda do bonde, em 1901.

Mesmo depois da desativação da Estação Penha, parte desse ramal foi utilizada para transporte e lavagem de vagões de gado. O local em que era feita essa higienização ainda traz marcas desse passado histórico. Dele faz parte uma área ocupada por uma casa (com data de 1938) e por um terreno densamente arborizado. Trilhos e outros assessórios ainda podem ser encontrados ali. Bem próxima da Estação Penha do Metrô, na Avenida Orêncio Vidigal, toda essa área se encontra jurisdicionada pelo Ministério da Agricultura.

Trata-se, portanto, de um espaço público que guarda parte da história do bairro da Penha, da Zona Leste e mesmo da Cidade de São Paulo. Somando-se a outros (poucos) patrimônios históricos do bairro que ainda restam, esse espaço merece carinho e atenção dos penhenses e das autoridades responsáveis. Já existem propostas quanto a uma dinamização de toda essa área. Não há garantias de que o espaço verde que ali se encontra esteja devidamente preservado. Quando foi da ocupação de áreas nobres próximas dali, a Penha abriu mão delas a fim de que fossem construídos os piscinões. Será que a Penha não merece investimentos que a façam valorizada, disponibilizada em seus espaços para que a população viva melhor e com mais saúde e qualidade de vida, física e psicológica? É preciso que a comunidade se mobilize e reivindique junto aos poderes públicos insistentemente, sem esmorecimentos!    

Postado por José Morelli

quinta-feira, 27 de julho de 2023

Agregar valor

Alvejar um pano de saco rústico tornando-o mais delicado, a fim de que possa servir como pano de prato é agregar-lhe mais valor. O cacau é valorizado quando transformado em chocolate. Este passa a custar, ainda mais, ao receber recheios que o transformam em apetitosas e tentadoras trufas. O aço, extraído da natureza, multiplica muitas vezes seu valor de venda quando é forjado e transformado em motor de uma moderna aeronave.

No contexto mercadológico em que vivemos, onde tudo ou quase tudo se transforma em mercadoria e pode ser comprado ou vendido, construímo-nos mentalmente, na maneira como manejamos nossos raciocínios, influenciados por essa dinâmica de compra e de venda que “de camarote” assistimos desde a nossa mais tenra infância. Compramos e vendemos coisas, além de nossos conhecimentos e habilidades pessoais. O voluntariado e a gratuidade quase que entram como exceção de uma imperiosa regra.

Nossas ações possuem um valor humano. Elas servem à construção de nós mesmos, do mundo e das pessoas dos outros também. Ultrapassando seu valor humano, nossas ações podem ter também outra importância que é aquela que só a fé é capaz de reconhecer. Pela fé, nosso entendimento não se limita àquilo que é finito; mas avança no sentido do infinito: de Deus mesmo em toda a sua incomensurável grandeza. Quando vivemos nossa vida agregando-lhe a fé, o valor dela se amplia infinitamente.

Com a fé, abrimo-nos interiormente ao convívio com Deus. Nossa mente e nosso coração o acolhem, cientes de que também estão sendo acolhidos por Ele. Como uma esponja que se encontra embebida pela água, assim também nossa vida inteira é perpassada/permeada pelo existir de Deus. A fé nos leva a acreditarmos que somos inseparáveis de Deus e que Ele é inseparável de nós. Mesmo quando nos julgamos falhos em nossos pensamentos e ações, ainda assim Ele não se ausenta nem se distancia de nós.  Convida-nos ao reconhecimento de nossas verdades e ao arrependimento. Como ao filho pródigo que esbanjou toda a fortuna que o pai lhe havia dado, Ele nos acolhe sempre de braços abertos.

Nossa fé é um dom de Deus-Pai, gratuitamente concedido aos seres humanos. O valor que ela agrega à nossa vida não tem preço. No alto de sua cruz, Jesus – o Filho de Deus feito homem - o conquistou para nós, através de seu sangue derramado. O Espírito Santo distribui seus dons livremente a quem Ele quiser e quando Ele quiser.  Nossa visão sob a ótica da fé não exclui leituras que dimensionam os alcances humanos de toda e qualquer atitude tomada; muito pelo contrário, permite ainda que ampliemos nossa capacidade de dimensionar alcances que vão além dos valores humanos, tanto na altura como na profundidade de seus entendimentos.

Postado por José Morelli