quinta-feira, 3 de dezembro de 2020

Quilombo da Penha

Em seu livro “Penha Histórica”, editado em 2001, o saudoso historiador Dr. Sylvio Bomtempi, relata em cinco páginas: da 85 à 90, como se deu a Escravidão em nosso bairro. Inicia contando que o então arrabalde de Nossa Senhora da Penha era porta de entrada dos escravizados recém-chegados do continente africano, trazidos do porto do Rio de Janeiro e também os que subiam a Serra do Mar passando por Mogi das Cruzes, Vila criada em 1611.

Nas primeiras décadas do século XVII, a Penha serviu como lugar onde, devido aos surtos de varíola, “os cativos procedentes do Rio de Janeiro e de Santos através de Mogi das Cruzes, foram obrigados à quarentena no Caminho da Penha”, da mesma forma como acontecia no Lavapés, com os chegados pelo Caminho do Mar.

O Dr. Sylvio explica ainda que as atrocidades, praticadas por senhores desumanos contra os escravizados, lançavam-nos a fugas impetuosas reunindo-os em quilombos, “arraiais temidos difíceis de expugnar”. Entre os lugares que mais procuravam para embrenhar-se, longe da cidade, contavam com os matagais da Penha.

Em 10 de fevereiro de 1748, Inácio Pedroso Aveiros foi nomeado pelo Senado da Camara da Vila de São Paulo capitão-do-mato no âmbito da Penha, que devia convocar os moradores hábeis para, sob seu comando, destruírem os redutos dos foragidos e matarem os negros resistentes, cortando-lhes a cabeça e entregando-as à Justiça.

Tendo como pano de fundo a realidade acima exposta, no livro de Assentamentos da Irmandade do Rosário dos Homens Pretos da Penha consta o surgimento da Irmandade, cuja primeira assinatura é de 1755. A este grupo é atribuída a idealização e construção da Igreja dedicada a Nossa Senhora do Rosário, patrimônio histórico do bairro, que teve e tem papel importante na vida dos negros e negras da Penha e região. A respeito dessa história tive a alegria de pesquisa-la e sobre ela escrevê-la no livro “Penha de França – Expressões do Rosário”, lançado a público oficialmente em 25 de janeiro de 2017.

Postado por José Morelli

segunda-feira, 9 de novembro de 2020

Aprendizado político do povo

Não são poucas cidades europeias que tiveram, em suas origens, muros que as cercavam em todos os lados. Hoje, turistas que as visitam podem admirar alguns desses muros, muitos deles em ruínas. Ali estão eles testemunhando as trajetórias históricas percorridas no sentido de desenvolvimento e de expansão dessas cidades.

Tendo dado esse passeio até a Europa, vamos voltar ao Brasil, considerando que ao mesmo tempo em que nossas cidades evoluíram em suas constituições físicas, as sociedades que as construíram também se desenvolveram em suas capacidades de organização, planejamentos e execuções de seus projetos, resultados do trabalho diversificado do conjunto de seus cidadãos e cidadãs.

Um diálogo se estabeleceu entre os lugares e seus habitantes. Espaços e indivíduos interagiram e ainda continuam interagindo entre si. Se as ideias produzidas pelas mentes humanas são capazes de modificar as cidades na concretude de suas formas, essas contingências não deixam de condicionar os pensamentos que, fatalmente, se desdobram em sensações e sentimentos: afetos e desafetos (amor e ódio) decorrem disso tudo naturalmente.

Nossas cidades se constituem como retratos da realidade ampla que, além de considerar o conjunto urbanístico em sua totalidade, com suas ruas e praças, avenidas, túneis, pontes e viadutos, incluem também a nós, cidadãos e cidadãs que delas fazemos uso e/ou as habitamos. Em suas materialidades, nossas cidades deixam transparecer o jogo de forças dos poderes que as dominam e as exploram como mercadorias que não deixam de ser.

O desvendamento escancarado da corrupção endêmica a que o povo tem tido conhecimento, nestes últimos tempos, bem como a existência de estruturas que dão suporte a esses desmandos, pode se constituir em oportunidade de aprendizado, grande chance de entendimento dos caminhos seguidos pelo capital: totalmente insensível quando não complementado de um mínimo de sentido de humanidade e de ética. A construção de muros serve à exclusão e não à inclusão de cidadãos e cidadãs em suas diversidades.

Postado por José Morelli

  

terça-feira, 20 de outubro de 2020

Primavera

Embora a estação da primavera não se manifeste, entre nós, daquela forma tão repentina e contrastante, como acontece em outras regiões do planeta, ainda assim conseguimos, neste tempo, perceber as árvores mais floridas, as parreiras criando brotos e se enchendo de folhas, as ervas rasteiras se avolumando com rapidez. A natureza se rejuvenesce, manifestando-se com mais exuberância. As folhas ficam mais verdes e as flores com seu colorido mais firme.

Estas características da primavera, a gradativa aproximação do verão, o aumento, pouco a pouco, do dia e consequente diminuição da noite, com o sol surgindo mais cedo no horizonte e se pondo mais tarde, não deixam de representar um conteúdo simbólico expressivo.

Estados interiores, emoções e situações vivenciadas por nós, podem ser comparados com este momento da natureza. A juventude é chamada de primavera da vida. É a fase em que a vida floresce. Todos nós precisamos de alternâncias em nossas vidas, assim como se alternam as quatro estações do ano.  

As mudanças que a primavera causa no ambiente nos atingem. Atingem nosso espírito, nosso psiquismo. Se percebermos com facilidade essas mudanças, isto é um indício da capacidade que temos de dar-nos conta, também, do que ocorre ao nosso redor, no ambiente que nos é externo, do seu contínuo renovar-se.

Vivemos, muitas vezes, esse ciclo em nossos pensamentos e sentimentos, Não é preciso que tenhamos esta ou aquela idade para vivenciá-los. O renovar-se constante é uma possibilidade que acontece de formas diferentes, desde que saibamos despojar-nos daquilo que já é ultrapassado ou obsoleto, em nós, e saibamos introduzir em nosso cotidiano as novidades que nos façam bem e nos estimulam a viver com mais entusiasmo.

Postado por José Morelli 

quinta-feira, 1 de outubro de 2020

Virtude e/ou Pecado

Uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. O importante é não confundirmos os conceitos pelo que eles representam a fim de não perdermos, totalmente, os rumos a seguir na vida. Classicamente, sete são os considerados pecados capitais: orgulho ou soberba; avareza; inveja; ira; luxúria ou impureza; gula; preguiça. Em oposição a esses pecados, são consideradas virtudes: humildade; generosidade; caridade; mansidão; castidade; temperança; diligência.

As palavras sempre nos serviram como instrumentais dos nossos pensamentos e juízos. O simples fato de associarmos um sentido qualquer a esta ou àquela palavra, considerando-a virtude ou pecado, isso faz com que ao ouvi-la, lê-la, pensa-la ou fala-la, instantaneamente, se desencadeiem em nós sentimentos condizentes com os sentidos que à mesma atribuímos.

As crianças são, naturalmente, mais puras e inocentes em seus pensamentos do que os adultos. A formação de uma criança exige que as ideias, a elas transmitidas, tenham a devida clareza quanto ao que significam. A vantagem disso é que elas, a partir de seus entendimentos, possam se orientar e se construir na direção do que lhes possa garantir a própria sobrevivência tanto material como afetiva/espiritual. 

Ao orgulho se antepõe a humildade. A frase: “Tenho o maior orgulho de minha humildade” pode até ser entendida como uma contradição em seus termos. No entanto, podemos perguntar: quando um termina e começa ou outro? De um orgulho pode nascer uma humildade ou de uma humildade pode se originar um orgulho? Onde se escondem os perigos ao comportamento ético que desejamos construir em nossa vida pessoal, familiar e político/social?

Quanto às demais virtudes e pecados, em suas devidas correlações, são possíveis que escondam riscos de que sub-repticiamente nos enganem? – Uma generosidade pode se transformar em avareza?... Uma caridade pode se transformar em inveja?... Uma mansidão pode se transformar em ira?... Uma castidade pode se transformar em luxúria ou presunção de superioridade?... Uma temperança pode se transformar em gula?... Uma diligência (cuidado excessivo de limpar tudo nos mínimos detalhes) pode se transformar em preguiça incontida (depressão)?... É preciso que nos mantenhamos vigilantes para não cairmos em nossas próprias armadilhas.

Postado por José Morelli

 

sábado, 19 de setembro de 2020

Quantificar

O direito dos sócios em uma empresa é proporcional ao capital investido, equivalendo à soma do número de ações em nome de cada um deles. Aquele que detém quantidade maior de ações goza de mais poder de decisão do que os outros. Outras contribuições não materiais se tornam mais difíceis de serem quantificadas.

O que é de natureza material pode ser quantificável por seu tamanho, peso, consistência, identificação de forma, cor, calor, sabor, etc. Do que é imaterial (não-material), a mente humana não consegue construir imagens diretamente quantificáveis. Como quantificar, em alguém: a alegria, a tristeza, o amor, a ansiedade, a angústia, a depressão, o ciúme, a satisfação, a insatisfação, a dor ou qualquer outro sentimento?... Só a própria pessoa que as sente pode responder a essas perguntas! Cada uma tem a sua própria medida para cada sensação ou sentimento.

Nem sempre é fácil entrar em contato com o que é próprio e faz parte de si mesmo na intimidade do próprio ser. Sentir-se dissociado de si, dividido em si, sem um mínimo controle do que acontece com as próprias emoções implica em certo desconforto, numa sensação de confusão mental e emocional, de não ter como e onde se apegar.

A mente humana é craque para associar uma coisa com outra. Desde os primeiros anos de vida, o bebê começa a associar as coisas com os nomes de cada uma delas. Muito cedo aprende a fazer comparações. Com o desenvolvimento da imaginação, o bebê estabelece ligações entre a realidade material e os sonhos e idealizações.

Se a você é sugerido que faça um desenho da alegria que está sentindo ou da tristeza ou do amor ou de qualquer outro sentimento, isso vai permitir que você os torne de alguma maneira quantificáveis. Predispondo-se a fazer o desenho, sua mente passa a criar idéias de como representá-lo. Escolhe o tipo de instrumento que vai usar: lápis, pincel ou mesmo o próprio dedo e, em seguida, elege as cores e o lugar onde colocá-las. Libera a mão para que se movimente e vá se expressando, envolvida na interatividade com o próprio desenho.

Esta é uma forma possível de expressar a emoção que você guarda dentro você, na sua própria intimidade. Uma maneira de se aproximar de você mesmo, de se permitir entrar em contato com aquilo que naturalmente poderia causar-lhe alguma aversão. Um recurso que facilita o confronto com as próprias dificuldades; ajudando-o na superação do medo de enfrentá-las.

Postado por José Morelli  

domingo, 6 de setembro de 2020

O lugar e sua história

Desde que a vida humana foi iniciada aqui na Terra, à semelhança de um novelo, ela vem desenrolando seu fio ininterruptamente, até chegar a cada um de nós. Relacionados a essa mesma vida, alguns fatos têm sido registrados por escrito, outros não. O surgimento da comunicação escrita determina a separação entre pré-história e história.  

O espaço geográfico ocupado pelo bairro da Penha de França que, nesta semana, vem sendo homenageado por paulistanos e penhenses, teve também sua pré-história. Aqui, recentemente, foram encontradas peças e utensílios de tribos indígenas que, desde tempos imemoriais, ocuparam estas mesmas terras, deixando sinais de suas presenças. Com a vinda dos colonizadores portugueses para cá, iniciou-se a história propriamente dita. A partir desse período, foram encontrados os primeiros registros escritos de alguns fatos, considerados relevantes, principalmente documentos oficiais relacionados a posses de terras.  

A vida humana é histórica. Ela é a consciência do que acontece. A escrita é apenas um código a mais de linguagem e de entendimento. Saber ler e dimensionar outras mensagens, expressas por meio de peças e utensílios, permite perceber a presença de vidas humanas, tão verdadeiras e densas quanto as nossas. A memória oral dos índios brasileiros é extraordinária. Os conhecimentos que eles conseguiram acumular das capacidades curativas, encontradas principalmente nas plantas, eram transmitidos boca a boca, de geração para geração. A cultura indígena deixou importantes sinais em nosso bairro, basta observar alguns nomes de ruas tais como: Paracanã, Jaborandi, Betari e outras.

Precisamos de algum espaço onde possamos pisar com nossos pés. Temos escolhido este espaço geográfico, chamado Penha de França, para que nos sirva de apoio, mesmo que seja para que, dele, apenas possamos nos dirigir para outros lugares.  Aqui temos nosso habitat. Com os daqui compartilhamos nosso tempo, nossos cuidados e afazeres diários. Constituímo-nos como comunidade. Gostemos ou não, temos entre nós muito em comum.

A Festa do bairro deve ser de todos. Aliás, a festa é das pessoas para as pessoas. A Penha, hoje, somos nós. Somos a consciência deste lugar e de sua história. Se apagarmos esta nossa consciência, tudo o que aqui existe perderá seu sentido, perderá sua razão de existência e de continuidade histórica. Perderemos, também, o sentido de nós mesmos. O fio do novelo de nossa consciência se romperá. Viraremos, simplesmente, meros robôs.  

Postado por José Morelli

domingo, 16 de agosto de 2020

De dentro da própria pele

É a partir de seu avesso que todos nós nos desenvolvemos, juntamente com os demais órgãos que ocupam o interior de nosso corpo, sejam eles relacionados às suas funções motoras, sensitivas, sexuais, respiratórias, digestivas, cerebrais e outras. É a partir da demarcação que nossa própria pele nos proporciona que nos percebemos e nos reconhecemos em nossos limites externos: onde começamos e onde terminamos, onde alcançamos e onde não conseguimos alcançar. Constituímo-nos materialmente e é sobre esta nossa base física que nos aperfeiçoamos em nossas capacidades intelectuais: físicas, mentais/emocionais e espirituais.

Existimos e nos movimentamos no tempo e no espaço, conscientes de que somos e acontecemos na sucessão das gerações. Vivemos nosso momento presente histórico, compartilhando nossa existência com nossos contemporâneos e conterrâneos de perto e de longe. Reconhecemo-nos em nossa própria individualidade e somos capazes de reconhecer o outro na identidade física e psicológica (individuada) que lhe é própria.

A pisada recebida no meu pé e que me machuca é sentida por mim – de dentro da própria pele, e menos por aquele que o pisou. Não há como negar que, neste caso, a dor é minha e não dele e é ele que deve pedir desculpas e retratar-se e não eu. Na sociedade em seu todo sempre há aqueles que ferem com suas atitudes e posturas e há aqueles que são feridos. Assim como acontece no plano da individualidade, assim também acontece no plano da coletividade: os que estão habituados a ferir sentem menos dor e mágoa do que aqueles que estão sendo feridos.

Uma percepção mais ampla da realidade exige que não nos ignoremos no que somos e no que necessitamos, individualmente e/ou coletivamente.  Nossa capacidade amadurecida deve nos permitir que nos sensibilizemos com as diferenças, buscando mais equidade nas relações humanas, no que concerne aos direitos e às obrigações que competem a nós todos, indistintamente.

Postado por José Morelli 

terça-feira, 11 de agosto de 2020

Inferência histórica

O termo inferência é aplicado, especialmente, à lógica. Trata-se de uma dedução, de uma verdade concluída a partir de outras verdades (silogismo). A inferência histórica a que me refiro é a seguinte: Se é um fato incontestável que, em seus primeiros tempos, o nosso bairro da Penha de França, serviu como lugar de passagem e de pouso para viajantes e tropeiros, que iam ou vinham de diversas outras regiões do país, esse fato nos leva a concluir que, aqui, havia certa estrutura de acolhimento (estalagem, armazém e outros prestadores de serviços) não só para as pessoas como também para os animais que as acompanhavam. Documento, dos mais antigos, atesta que, ao lado da primitiva capela, havia um curral.

Desses fatos decorre, também, que os demais moradores da região da Penha, alguns donos de terras com seus familiares e serviçais (escravos negros ou indígenas), vez ou outra, costumavam chegar a esse centro, onde se davam as principais transações comerciais daquilo que produziam. Mesmo que o objetivo principal fosse a troca de mercadorias, outra troca também não podia deixar de se dar: a de informações.

Num tempo em que não havia nem rádio, nem televisão e, menos ainda, internet e a maior parte das pessoas não sabiam ler e escrever, o boca a boca era o principal meio de difusão das notícias e novidades (fofocas) que “pipocavam” em todos os cantos. O vai e vem de gente, pela Penha dos primeiros tempos, vinda de além mar e de outros recantos do Brasil: de São Vicente ou do Rio de Janeiro, do Vale do Paraíba, das Minas Gerais, da Bahia ou de Pernambuco, dos pampas gaúchos ou de outras vilas e capitanias.  Do poeta Paulo Eiró (1825-1871), que por aqui passou, a Penha mereceu um de seus mais singelos poemas, intitulado “Homenagem à Penha”. Dom Pedro I, acompanhado de sua comitiva, também pernoitou na Penha, em 24 de agosto de 1822. Nessa mesma viagem, no dia 7 de setembro, às margens do Riacho Ipiranga, Dom Pedro proclamou a Independência do Brasil.   

As festividades de nosso bairro, durante o mês de setembro que já está às portas, é uma oportunidade a mais de estreitarmos nossos laços com o lugar em que vivemos e com as pessoas, que conosco aqui compartilham e pisam neste mesmo chão. 

Postado por José Morelli

sábado, 18 de julho de 2020

O diapasão

Difícil não associar essa palavra à imagem que trago na lembrança do maestro Emerson Tineo, nas muitas vezes em que regeu o “Madrigal Cantarte” na Igreja do Rosário da Penha, seja em tempos natalinos ou pascais principalmente. Era típica sua maneira de utilizar-se do diapasão antes de dar o tom a ser cantado pelos diversos subgrupos do coral: sopranos, médios e baixos.

O diapasão é aquele aparelhinho metálico em forma de forquilha. Ao ser golpeado contra uma superfície, suas duas extremidades vibram produzindo a nota que será utilizada para afinar as vozes ou um instrumento musical. De certo modo, os sons possuem precisão matemática, fazendo parte das ciências exatas com características de materialidade quantificada. Por outro lado, a música produzida pelos sons possui características que ultrapassam sua dimensão quantitativa apenas. Possui alma, elevação, sublimidade e conectividade com algo ainda maior e abrangente.

Os sons harmônicos e desarmônicos se encaixam ou se desencaixam nas melodias, provocando respostas nos ouvidos e na sensibilidade de quem as aprecia. Podem, assim, vir ao encontro da necessidade emocional do momento de cada pessoa.

Num período como este, de pandemia, em que estamos vivendo, ao buscarmos encontrar apoio diante das dúvidas que pairam em nossas mentes, talvez precisemos nos utilizar de uma espécie de diapasão que nos afine em nosso ser interior e exterior. Partindo de nossa realidade concreta, sem negá-la ou subestimá-la, da mesma forma como a superfície em que é golpeado o diapasão, ampliarmos a percepção da realidade por inteiro na qual nos inserimos.

Trata-se de uma proposta que merece, pelo menos, ser tentada. Vale experimentá-la. Vale acionar a mente no sentido de coloca-la em sintonia com as sensações que vibram em nosso próprio corpo, avaliando-as em suas intensidades, entendendo-as em suas mensagens, estabelecendo um diálogo com a intimidade de cada uma delas.

Postado por José Morelli

domingo, 5 de julho de 2020

Ser consistente

Toda boa doceira sabe reconhecer o ponto em que a massa se torna consistente; isto é, com a condição ideal para que o doce corresponda ao esperado. A boa qualidade de uma massa depende de que, nela, não falte nenhum ingrediente, de acordo com as medidas indicadas na receita.

Se pensarmos bem, também nós, em nossa maneira de apresentar-nos perante aos demais, devemos ter consistência, sentindo-nos como tal e percebendo que os outros também nos reconhecem da forma como nos julgamos que somos, com aqueles valores (ingredientes), que fazem parte de nossa personalidade.

Se dissermos sempre “sim”, incapazes de dizer “não” aos outros é natural que não nos vejam com consistência (sinceridade/veracidade/coragem). Corremos o risco de sermos mal-entendidos em nossas melhores intenções. Ficamos como que escancarados em nosso direito de privacidade. À semelhança de uma casa abandonada, de qualquer lado ou forma que os outros dela se aproximassem, poderiam entrar e fazer o que bem entendessem como intrusos cheios de direitos e sem nenhuma responsabilidade; nela fariam pic-nic com os amigos e, depois, iriam embora, deixando-a toda suja e destruída.

Cada um deve cuidar de sua própria consistência. Quando uma pessoa que, por encontrar-se afetivamente carente e negligenciando sua autoestima submete-se a imposições que contrariam seus próprios pensamentos e sentimentos, a probabilidade de que será apenas usada e não conseguirá complementar-se em sua afetividade é o mais provável que venha a acontecer.

O medo de receber “não” dos outros desencoraja de dizê-lo antes que os outros o digam. O sentimento de que os outros não sejam suficientemente fortes e capazes de suportar um “não”, por menor que este represente; além de revelar falta de confiança na capacidade dos outros, não deixa de ser um deslocamento da própria fragilidade e insegurança, atribuindo-o aos outros com mais facilidade do que a si mesmo.

Uma pessoa não se confunde com os bens materiais que possui. Julgar o outro apenas por suas condições financeiras é não entendê-lo em sua totalidade. Enquanto o outro não é visto ou reconhecido também em suas qualidades morais e espirituais, quem o vê assim também se mantém fechado à sua capacidade de ver o outro com maior amplitude a realidade. A massa do bolo não atinge seu melhor ponto de consistência.   

Postado por José Morelli

terça-feira, 9 de junho de 2020

Um lugar ao Sol

Nosso planeta Terra, juntamente com outros planetas, estrelas, astros e asteroides, compõe o chamado Sistema Solar. Outros sistemas existem no Cosmos. Todos, equidistantes, se mantém em suas trajetórias. O Sol ocupa o lugar central neste nosso sistema, exercendo uma força de atração sobre os corpos celestes que gravitam à sua volta. Neste nosso contexto, “Ter um lugar ao Sol” é ter o indispensável para poder existir humanamente. 

A força de gravidade é uma energia. Toda matéria tem origem em alguma energia aglutinadora ou desintegradora.  Quando o tempo esfria, a temperatura desce e o Sol da manhã ajuda a aquecer a face da Terra voltada para ele. Um lugarzinho sob os raios do Astro Rei faz diminuir as sensações desagradáveis provocadas pelo vento gelado.

Em sentido simbólico, Sol é o mesmo que oportunidade, chance de viver. Sem esta, ninguém nasce, nem continua crescendo ou se desenvolvendo. Do Sol vem a luz e o calor. A Terra se abastece dessas energias e, por conta delas, torna-se produtiva. O planeta Terra também faz um movimento em torno de si mesmo (movimento de translação), que permite ao Sol refletir-se ora mais sobre o hemisfério norte, ora mais sobre o hemisfério sul. A boa distribuição da luz e do calor depende tanto do Sol como da Terra.

Os bens materiais e o dinheiro que, convencionalmente, os representa possuem forças para criarem oportunidades de vida. É preciso que ambos se encontrem em boas posições para que possam se tornar acessíveis ao maior número de pessoas. A especulação com o capital nem sempre gera empregos, não podendo assim ser geradora de maiores oportunidades. De um lado e de outro, todos são responsáveis pela vida de todos que fazem parte da humanidade.

Os bens imateriais também têm sua dinâmica própria. O afeto é indispensável. Ele é o calor humano que, na reciprocidade, aquece os corações, animando-os a continuarem batendo e impulsionando o sangue para todas as células do corpo. A responsabilidade é de quem deve dar o afeto e também de quem o deve receber. Alguma predisposição favorável deve ajudar nesse processo de distribuição dos afetos. O Sol faz a sua parte, colocando-se estrategicamente em sua posição de centralidade. A Terra, por sua vez, realiza seus movimentos a fim de permitir que os raios solares cheguem àquelas partes que necessitam mais dessa sua energia. A natureza não cansa de dar suas lições de vida. Cabe a nós, humanos, ter olhos e ouvidos para entendê-las e coloca-las em prática.     

Postado por José Morelli 

domingo, 24 de maio de 2020

Existencial

Que tem origem no emergente, que brota e borbulha como a água de uma fonte. É nossa vida acontecendo no instante do aqui/agora de cada um de nós. É toda realidade que transita conosco, compartilhando do tempo e do espaço no qual acontecemos e nos movimentamos: o fato, o ocorrente, o emergente. O existencial é o que se dá num íctus de segundo, único ao alcance de nossas mãos - irreversível. O que tem de ínfimo na extensão, tem de incomensurável na profundidade. Dele depende o sentido que atribuímos àquilo que fazemos, à nossa vida em construção. O existencial revela os seres, a sua natureza. Marca-os indelevelmente com seu sinal ou sua marca registrada. Os seres, ligados ao próprio passado, acontecem no presente, voltados/orientados no sentido de algum futuro.

Talvez, por ser tão efêmero, tão passageiro, o existencial não foi, no pensamento mais clássico do passado, valorizado como medida confiável de expressão da verdade. O existencial, em seu todo, está sujeito a muitas interveniências. Não consegue ser mantido a salvo das variáveis que interferem em seu modo de responder aos estímulos com os quais interage.  Por isso, para não extinguirmos nossa pretensão de podermos alcançar verdades menos transitórias e mais permanentes, é que descartamos o existencial como balizamento de nossos entendimentos racionais.

Transitamos numa vida que nossos sentidos percebem manter uma linha de continuidade. O presente nos liga ao passado e ao futuro, como um elo de corrente. Na medida em que avançamos, o passado não deixa de permanecer em nós. Vai sendo arquivado no fichário de nossa memória, deixando sinais de sua passagem, inclusive em nosso corpo. Como nas imagens de uma câmera de televisão, instalada nos carros de corrida, vemos o futuro chegando rápido e se transformando logo em passado. Tamanha velocidade não experimentávamos em um passado não tão distante. A velocidade nos dá a sensação de que estamos vivendo com mais intensidade, que estamos descobrindo sensações novas, mistérios até pouco escondidos da vida humana. Como é excitante experimentá-los! Que curiosidades satisfazemos ao explorá-los, descobrindo-nos em capacidades pessoais que antes desconhecíamos.

O existencial somos nós enquanto nos percebemos vivos. O existencial somos nós em cada uma das fases de nosso existir, desde o nosso nascimento. Enriquecemo-nos atribuindo sentidos às sensações corporais vivenciadas, sejam elas de dor, alegria, vitória ou fracasso.

Postado por José Morelli

quinta-feira, 7 de maio de 2020

Criar expectativa

Quando um jogador de futebol costuma marcar muitos gols, cria expectativa na torcida. Todos passam a esperar mais dele, que continue marcando gols e dando vitórias a seu time. Se, por acaso, sua produção decai, deixando de produzir para a equipe, todos (ele próprio e a torcida) se decepcionam. Vêm críticas e mais críticas. Cobranças se transformam em ameaças. Se não voltar a render, é substituído por outro, perdendo seu lugar no time.

Políticos, ao fazerem promessas ao povo, em suas campanhas, também criam expectativa. Pelo que dizem, deveriam assumir responsabilidade perante si mesmos e perante seus eleitores. Se alguns deles, tendo sido eleitos, não cumprirem o que prometeram, decepcionarão os eleitores que neles confiaram e os apoiaram com seus votos. Por terem frustrado a expectativa daqueles que nele acreditaram, o mínimo que mereceriam é que nunca mais recebessem apoio, pelo menos daqueles a quem enganaram uma vez.

Por palavras e atitudes, pais e filhos, maridos e mulheres, namorados e namoradas, amigos e amigas criam expectativas uns nos outros. Ambas as partes se acostumam a esperar e se sentem enganadas caso não vejam suas expectativas correspondidas.

Se uma pessoa, ao iniciar um relacionamento, querendo passar uma imagem muito positiva de si, mostra mais do que é capaz, falando e realizando coisas além de suas condições normais, mais cedo ou mais tarde, sua verdade virá à tona, causando frustração e revolta. Um relacionamento maduro é, também, verdadeiro. Com o passar do tempo as pessoas se revelam como realmente são.

As estórias infantis de príncipes e princesas alimentam a imaginação das crianças e mesmo de adultos. Esses sonhos podem estimular muito numa fase da vida, dando-lhe mais entusiasmo. Porém, logo a realidade se sobrepõe ao sonho e muitas das expectativas, ligadas a esse sonho, precisam ser substituídas por outras mais próximas do real, do chão em que se pisa.

Por tudo, paga-se um preço. Cada um é responsável pela imagem que passa de si mesmo aos outros. O amor generoso e bem ordenado é positivo. O medo nem sempre é bom conselheiro. Sabendo-se tirar lições dos acontecimentos do dia-a-dia, as pessoas podem se aprimorar na arte do bem-viver e do bem-conviver.  

Postado por José Morelli 

quinta-feira, 30 de abril de 2020

Cultural

O conceito, a ideia do que vem a ser cultura, abrange as diferentes formas com que cada sociedade constrói seu modo de viver, no cotidiano. Dividindo o planeta como que em duas metades de uma mesma laranja, podemos identificar duas culturas bem distintas: a ocidental e a oriental. Alguns ícones são lhes bem característicos. Instantaneamente somos capazes de identificar os que são daqui, do ocidente, e os que são do outro lado do mundo, do oriente. Os palácios da antiga Roma são facilmente reconhecidos, diferenciando-se dos existentes no Japão ou na China. Os caminhos históricos percorridos contribuíram na edificação de cada cultura, propiciando-lhes modos de pensar diferenciados e maneiras peculiares de sentir a própria vida e o ambiente em que esta se desenvolve. 

A formação das diversas línguas, na escrita e na fala, as condições territoriais pelas dificuldades e pelas facilidades apresentadas, o clima, a fauna e a flora, essas e outras variáveis contribuíram e contribuem para formar a cultura de cada lugar.

Além da divisão em apenas duas metades, o mundo pode também ser dividido em dois hemisférios: norte e sul. Nesses quatro espaços se encontram os cinco continentes. Cada um desses cinco continentes possuem vários países. O modus vivendi de cada povo constitui a cultura própria de cada um deles. Uma importante riqueza que permite o entendimento, a boa harmonia e o progresso de cidadãos e cidadãs, dentro e fora dos limites de seus respectivos territórios.

As culturas são vivas e, como tal, possuem seu tempo de começo e de formação, de desenvolvimento, influenciando e recebendo influências e, por fim, de desgaste e de transformação. Toda sociedade é fortemente influenciada pela cultura vivenciada pelos que dela fazem parte. É a sua identificação, o seu sinal distintivo.

Com a chamada globalização, intensificaram-se as trocas entre as diversas culturas: uma boa chance para algumas e um risco para outras. Os valores subjacentes às manifestações culturais não é bom que se percam. Se um povo não valoriza o que é seu e prefere copiar as maneiras de outros povos, atribuindo-lhes significados de maior importância, perde sua identidade, negando-se a si próprio e às suas próprias raízes.

Postado por José Morelli

domingo, 19 de abril de 2020

Elaborar perdas

Não é fácil perder. Na maior parte das vezes, não estamos preparados para aceitar qualquer perda, por menor que seja. Ao processo de aceitação e de assimilação do que não conseguimos evitar de perder, costumamos chamar de “elaborar  perdas”.

O luto, hoje quase em desuso, era um costume que permitia às pessoas manifestarem externa e publicamente seus sentimentos de dor e de tristeza, pela perda de algum ente querido ou próximo. O luto era uma espécie de enfrentamento com a realidade dos fatos e dos sentimentos, por eles desencadeados. É difícil saber quanto e como a obrigatoriedade do luto externo ajudava ou atrapalhava, para cada um, no processo de elaboração da sensação de vazio, que a perda costuma promover.  

Pessoas, animais de estimação, bens materiais, oportunidades, esperanças,... quantas e quantas coisas perdidas ou não-conseguidas, são capazes de causar essa sensação de perda, tão incômoda de suportar e que exige tempo e força de vontade, para que, pouco a pouco, vá sendo amenizada.

O processo de elaboração de perdas é muito pessoal. A ligação de cada um àquilo que considera possuir ou com direito, acontece de maneira bem particularizada. Essa ligação se constitui de um conjunto de elementos tanto racionais como emocionais. Elaborar perdas é intervir, tanto nos pensamentos como nos sentimentos, modificando-os através de novas correlações com a realidade.

Uma perda pode despertar problemas antigos não bem resolvidos. Existem casos em que fica bastante difícil, para o indivíduo, enfrentar sozinho, sem ajuda profissional, seus sentimentos de perda, que podem se manifestar em sensações físicas e de inseguranças. Nestes casos, é recomendável que ele não se furte de buscar ajuda, a fim de que possa superar, com mais facilidade, esses bloqueios à continuidade e desenvolvimento de sua vida.

Não é só com ilusões ou fantasias que se elaboram perdas. É imprescindível que se encare, com objetividade e realismo, o que efetivamente aconteceu ou está acontecendo. Para se enfrentar uma perda é necessário maturidade. Apoiando-se em si, reconhecendo-se a si como base da própria vida, descobrindo-se e acreditando nas próprias forças, é que a pessoa se reconstrói, no enfrentamento da realidade tangível e concreta.

Perdendo ou ganhando, ganhando ou perdendo... a vida se desenvolve, imprimindo direções diferentes no caminho de cada um. Com isto, há momentos em que a percepção do horizonte parece diminuir e há momentos em que, felizmente, essa percepção se amplia, permitindo a sensação de crescimentos, com ganhos e vantagens.

Postado por José Morelli

quarta-feira, 15 de abril de 2020

Compartilhar

Enquanto seres viventes, compartilhamos o que somos e o que temos: o ar que inspiramos e expiramos; o chão sobre o qual nos locomovemos; a chuva que cai (ou não) do céu; o idioma com que nos comunicamos; o dinheiro corrente com o qual transacionamos bens ou serviços; a natureza humana da qual fazemos parte, bem como o mundo em que vivemos. Nossa vida só se mantém viva, se compartilhada no e com o meio em que nos originamos e, no qual, coexistimos com outros seres viventes.

Tudo é compartilhado: o que é bom e o que não o é. A própria razão de bondade ou de maldade não é absolutamente precisa em suas possibilidades de influências positivas ou negativas. Dependendo do ângulo de visão com que se olha, algo pode ser qualificado de uma ou de outra forma. A ênfase dada em favor desta ou daquela visão, muitas vezes esconde objetivos de instrumentalizá-la em função de interesses, por vezes escusos. Compartilhamos regras de vida supostamente organizadas. O contraditório nunca pode deixar de estar presente, nos momentos em que dúvidas pairem sobre nossos julgamentos.

Compartilhamos verdades e mentiras, crenças e descrenças, esperanças e desesperanças, satisfações e sofrimentos, alegrias e tristezas... Nossas moradias compartilham as ruas e calçadas que dão acesso a outras moradias, nosso bairro compartilha com outros mais próximos ou mais distantes, assim como nosso município, nosso estado, nosso país, nosso continente compartilham com outros municípios, estados, países, continentes. Formal ou informalmente, trocas constantes se estabelecem em todas as direções.

Compartilhamos saberes e ignorâncias, harmonias e desarmonias, amores e desamores, gentilezas e indiferenças, progressos e retrocessos, vantagens e prejuízos, virtudes e pecados. Compartilhamos pensamentos e sensações, sentimentos e imaginações, Tantas trocas servem à construção de nós mesmos e à construção do mundo, desenvolvendo-o e respeitando-o em suas potencialidades .

Postado por José Morelli

quarta-feira, 8 de abril de 2020

Meditar

Quantas vezes ouvimos que fazer meditação é uma atividade mental/emocional, que ajuda muito na estruturação e fortalecimento da personalidade humana?...  Já a etimologia da palavra meditação, originária do latim: meditare, cujo significado é “voltar a atenção para o centro”, indica duas possibilidades.  Esse centro pode ser o da própria pessoa, que medita, ou o centro do mundo externo, o universo.

Acredito que não são poucas as pessoas que meditam sem terem consciência de que estejam meditando. Situações difíceis podem abrir oportunidades para que assim aconteça. Quantas vezes, o aparecimento de doenças graves força a tomadas de decisões profundas e verdadeiras, que servem à reorientação da vida de muitos. “Depois de tudo que passei, já não sou mais o mesmo (ou a mesma), aprendi a dar mais valor à vida”, costumam dizer.

Na meditação, o pensamento se projeta com sua energia própria. Ele é uma força de consciência e de integração. Com ele, o foco de atenção se volta seja para o centro da própria pessoa, seja para fora dela. Na primeira hipótese, se volta àquilo que emerge de sua sensibilidade: a pulsão de vida manifestada a partir das batidas do coração e do sangue circulando no corpo; o arfar dos pulmões, ingerindo e expelindo o ar respirado; alguma sensação de prazer/desprazer ou de dor provocada por disfunções, manifestações estas nas quais a mente pode se acoplar, encarando-as como realidades a serem assimiladas e   absorvidas.

Quando a mente se volta para fora da própria pessoa, para o mundo externo, para o universo, o foco de concentração liga a personalidade individual, identificando-a com o que existe além dela e a ultrapassa: pode ser a humanidade em seu todo, o planeta, o universo, a fonte de onde se origina a vida (Deus), anjos, santos e tudo o mais em que se possa acreditar.

O importante, nessas duas formas de meditar, é aproveitar o momento presente em toda sua profundidade e intensidade. Mesmo que o pensamento seja fortuito, passageiro em essência, ainda assim ele pode sentir-se em paz e descansar, harmonizando-se consigo mesmo. Deste modo, ele passa a se sentir quites com o que lhe está ao alcance.

Postado por José Morelli

domingo, 29 de março de 2020

Direita & Esquerda

Não é a primeira vez que utilizo o & (e comercial) para conectar palavras em títulos de matérias publicadas por mim nesta coluna. Com isso, quero chamar a atenção para o aspecto associativo dessas palavras, da interdependência existente entre elas.

Quanto à esquerda e à direita, só é possível identificar o sentido dessas palavras relacionando-as uma à outra em suas respectivas posições. A consciência e a subconsciência dos indivíduos e da sociedade construíram seus entendimentos a respeito do direito e do esquerdo, através de experiências vivenciadas no dia a dia. Ao observarem-se a si mesmos quando se utilizavam dos instrumentos do trabalho ou da escrita, perceberam que uma das mãos tinha mais facilidade de manejá-los, enquanto a outra demonstrava mais dificuldade. À primeira foi chamada de mão direita e a segunda de mão esquerda. Destros são aqueles que têm mais facilidade de se utilizar da mão direita e sinistros são aqueles que têm mais facilidade de se utilizar da mão esquerda. Essa mesma facilidade e essa mesma dificuldade podem ser percebidas com relação ao funcionamento das pernas e dos pés.

É curioso que, de acordo com os neurologistas, o lado direito do corpo humano é comandado pelo lado esquerdo do cérebro, enquanto que o lado esquerdo do corpo é comandado pelo lado oposto do cérebro. A facilidade de um é a dificuldade do outro e vice-versa. Ambos têm funções associadas e complementares.

Nos momentos de as pessoas fazerem uso de argumentos no sentido de defenderem seus pontos de vista, estas se utilizam das palavras que possam melhor definir o que pensam. Essas palavras se fecham e si mesmas. Uma única palavra pode dar a sensação de que a discussão foi vencida e, logo o eu do vencedor se sobrepõe ao daquele que se colocara na posição oposta.

Direita & Esquerda dizem respeito a um todo. Só um todo pode ser dividido em partes. O antagonismo entre as partes pode até ajudar no desenvolvimento de cada uma delas. As palavras em si são inocentes (inócuas), não passando de ajuntamentos de letras e de sílabas. São indiferentes quanto ao bem e ao mal que por meio delas podem ser produzidos.

Indivíduos e sociedade usam e abusam das palavras. Calam a boca uns dos outros. Importa, no entanto, não se ater apenas às partes: direita, do centro ou da esquerda. Bom mesmo é aprender a ter um olhar mais amplo que contemple o todo e suas partes, extensivamente e em suas profundidades.    

Postado por José Morelli

segunda-feira, 9 de março de 2020

Ousar

"Atrever-se", "ter coragem para" são os significados que o dicionário traz para o verbo “ousar”. “Ousadia” é o substantivo. Atrevimento, coragem, temeridade, audácia, galhardia são substantivos com sentido assemelhado à palavra “Ousadia”. Dos bandeirantes que adentravam o território brasileiro, expandindo suas fronteiras, pode-se dizer que foram homens ousados. O mesmo se pode afirmar de Tiradentes, Zumbi dos Palmares, Chico Mendes, Ayrton Senna. Aqui e em outros lugares, no curso de toda a história, homens e mulheres, por suas atitudes e pensamentos, demonstraram possuir essa mesma característica em suas personalidades.

Toda ousadia exige dois componentes para que possa emergir: a ocasião ou a oportunidade que a vida oferece e a força pessoal de quem não se deixa por menos. Ousar, também, merece dupla conotação: no sentido positivo e no sentido negativo. Maníacos estupradores podem ser entendidos como ousados no que é negativo e não no que é positivo. A norma ética cabe em toda parte e a ousadia não poderia fazer exceção a essa regra.

É num contexto capitalista que se estabelecem as relações entre as pessoas, especialmente neste nosso momento histórico. Não é de hoje que o Brasil vem buscando um lugar de respeito junto às outras nações do mundo. Todos os brasileiros participam da situação maior que envolve o país. A situação adversa é um estímulo para a busca e surgimento de novas formas de interação. O todo é formado de cada uma de suas partes. Quanto mais o espírito de ousadia positiva conseguir permear o coração das pessoas, mais a nação brasileira terá a ganhar dentro e fora de suas fronteiras.

Falo da ousadia que inclui valores humanos e éticos. Um traficante de drogas pode parecer extremamente ousado; porém, a direção para onde se oriente toda essa sua energia mais serve à desconstrução da vida do que à construção. Importa avaliar sempre a orientação para onde se canaliza toda força pessoal e coletiva, se no sentido de uma evolução ou de uma involução/retrocesso.

O ser humano pode eleger seus caminhos com relativa autonomia. É um bem o direito à liberdade. No uso desse seu direito, todo cidadão tem seu espaço para ousar na vida. Aprender a conviver com a ousadia daqueles que buscam se diferenciar para avançar é uma necessidade para todos. Desse aprendizado os indivíduos ganham e a sociedade, em seu todo, também ganha, material e humanamente falando.

Postado por José Morelli

segunda-feira, 2 de março de 2020

Orgasmo

À semelhança de outras espécies animais e até mesmo vegetais, nossa espécie humana traz, em sua constituição física, a capacidade de se reproduzir, perpetuando-se no tempo e no espaço. A ocorrência do orgasmo marca o momento em que a energia vital se solta, percorrendo o corpo de ponta a ponta, provocando um ápice de excitação e de prazer.

O orgasmo pode ser conseguido na individualidade e no compartilhamento, seja em relações heterossexuais, seja em relações homossexuais. A excitação aumenta gradativamente na medida em que há estimulação. A descarga energética provocadora da sensação de orgasmo pode representar o desfecho de uma etapa do processo global de reprodução humana.

Nem toda relação sexual chega a essa sensação prazerosa de satisfação física. Por alguma razão ocorrem bloqueios proibitivos que a impedem de acontecer. Os seres humanos não funcionam apenas fisicamente. A mente, com todos os seus segredos, interfere no processo sexual, agregando mais elementos que determinam as formas de como este se desdobra.

A consciência de quem é e de como é de cada indivíduo pode se constituir como uma faca de dois gumes: se, por um lado, essa consciência pode reforçar a consecução de um envolvimento pleno e prazeroso; pode também representar bloqueios ao ato, dificultando sua plena realização.

A rápida queda da sensação de prazer, que acontece logo após à descarga orgástica, faz a mente voltar ao sentido da realidade, expondo-se a mil sensações díspares. Mesmo com a possibilidade de se utilizar dos meios de contracepção hoje disponíveis, ainda não se é possível separar a sexualidade de sua ligação com a explosão da vida, que é o surgimento de um novo ser na terra. Daí que, por mais que o sexo possa preencher tantas necessidades humanas, ainda assim, ele não pode ser tratado sem um sentido profundo de responsabilidade, devendo ser administrado com o devido carinho e cuidado.

Postado por José Morelli

domingo, 23 de fevereiro de 2020

O leão e o ratinho

Tendo como personagens principais o leão e o ratinho, podemos imaginar muitas histórias. Se o fizermos, não seremos os primeiros a fazê-lo, sem dúvida. Por suas características marcantes, o leão e o ratinho já foram protagonistas de inúmeras histórias. Comparados entre si, suas diferenças saltam aos olhos: o leão, grande e forte; o ratinho, pequeno e fraco.

Essas diferenças, longe de impedirem o desenvolvimento das histórias, podem torná-las ainda mais interessantes e emocionantes. Não é tão difícil descobrir algumas vantagens que o ratinho leva, utilizando-se justamente de seu pequeno tamanho e menor força. Por ser assim, ele é mais ágil e capaz de entrar em buracos que lhe possam servir como abrigo e que são impossíveis de o leão passar e, menos ainda, entrar para capturá-lo.

Nossa história poderá ter desfecho rápido. Poderemos, no entanto, enriquecê-la com o desenrolar de ações surpreendentes. Além de ater-nos somente àquelas características mais próprias dos irracionais, podemos emprestar-lhes nossa racionalidade e emotividade. Os bichos passam a pensar e a arquitetar planos, a sentir medos e raivas. Projetamos neles atributos humanos. Assim eles passam a representar-nos e servir-nos como termos de comparação. Através destas histórias, conseguimos traduzir momentos nossos, vivências nossas.

Se não estivermos dispostos a imaginar história alguma, poderemos, pelo menos, observar nossa própria história de vida e aquelas que acontecem com as outras pessoas, à nossa volta. Veremos como essas histórias de leão e de ratinho se reproduzem não só no mundo irracional, mas também entre os seres inteligentes, grandes e pequenos, fortes e fracos, saudáveis e doentes, ricos e pobres. Essas mesmas histórias podem nos permitir que nos vejamos e nos entendamos melhor. Permite-nos, também, entender a dinâmica dos relacionamentos entre grupos sociais e entre nações, sejam elas grandes ou pequenas, pobres ou ricas, desenvolvidas ou subdesenvolvidas. Cada uma delas por suas possibilidades de explorar as características que lhe são próprias, utilizando-as sabiamente para defesa e preservação da vida, que é o bem mais precioso que cada uma possui.  

Postado por José Morelli

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

Dr. Sylvio Bomtempi

De acordo com informações fornecidas por sua irmã, Nair, o Dr. Sylvio nasceu em oito de abril de 1.929, no bairro da Penha em São Paulo. Seus primeiros estudos fez na Escola Barão de Ramalho. O ginásio cursou-o no Colégio do Carmo dos Irmãos Maristas, situado no centro da cidade. Já o científico, como era chamado o curso médio na época, realizou-o no Colégio Anglo-Latino. Graduou-se em direito, pela Universidade de São Paulo, na Faculdade do Largo São Francisco, turma de formandos do ano de 1954, comemorativo do 4º. Centenário da Cidade de São Paulo. Exerceu a advocacia em escritórios na Rua Benjamin Constant (centro) e no bairro da Penha.

Além das valiosíssimas contribuições profissionais no campo da advocacia e do magistério, o Dr. Sylvio dedicou-se, com verdadeira paixão, à pesquisa histórica de São Paulo, especialmente dos bairros da Penha de França e de São Miguel Paulista. Em 1969 teve publicado seu livro: “O Bairro da Penha” editado pelo Departamento de Educação e Cultura da Secretaria de Cultura do Município de São Paulo. No ano seguinte – 1970 - conquistou o primeiro lugar no II Concurso Municipal de História dos Bairros de São Paulo, com a publicação do livro: “O bairro de São Miguel Paulista”. No ano de 2000, em comemoração do V Centenário do Brasil e do 440º. Ano de São Miguel Paulista, a UNICSUL - Universidade Cruzeiro do Sul promoveu a edição do livro “Origens Históricas de São Miguel Paulista”. No ano seguinte (2001)- a mesma UNICSUL patrocinou a publicação de uma nova edição do livro sobre a Penha, intitulado “Penha Histórica”. Tendo sido membro do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, o Dr. Sylvio colaborou ainda com um grande número de publicações de matérias históricas em periódicos do bairro e de outros veículos de comunicação da região e da cidade.

Um dos legados, deixado pelo Dr. Sylvio, foi o de sua relevante participação na Comissão que, na década de 80, lutou pela não derrubada da Antiga Matriz da Penha, uma vez que sua demolição já havia sido decidida pelos poderes públicos e pelas autoridades eclesiásticas da época.  Graças à tenacidade de valorosos cidadãos e cidadãs penhenses e paulistanos, a Penha pode hoje ainda contar com a presença do Santuário Eucarístico de Nossa Senhora da Penha e da importante pastoral que através dele é realizada.

Outro importante legado do Dr. Sylvio é a epígrafe, por ele redigida, inscrita na lápide de mármore que se encontra fixada na entrada da Igreja de Nossa Senhora do Rosário. Esta epígrafe resume o sentido histórico da Igreja, construída pela Antiga Irmandade dos Homens Pretos da Penha de França, cuja ereção se deu em 16 de junho de 1802. Desde 2002, todos os anos, a Comunidade do Rosário vem realizando eventos religiosos e culturais com o objetivo de dar visibilidade ao patrimônio histórico, bem como promover a devoção a Nossa Senhora do Rosário e a São Benedito.

Dr. Sylvio faleceu no dia 26 de junho de 2017. Que ele descanse em paz, na companhia de Deus Nosso Senhor e de Nossa Senhora da Penha!

Postado por José Morelli

quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

Psicologia profilática

“É melhor prevenir do que remediar”, assim diz a sabedoria do povo. A profilaxia é a prevenção das doenças, o cuidado com a saúde para que ela se mantenha e se desenvolva. A psicologia profilática atenta para todos aqueles fatores que condicionam a vida das pessoas, influindo, positiva ou negativamente, na qualidade de seus estados mentais e emocionais.

Na psicoterapia individual ou em grupo (com um número relativamente pequeno de membros) é possível trabalhar num sentido profilático. Na interação terapeuta/paciente, busca-se detectar, avaliar e controlar, o quanto possível, esses fatores para que não impeçam ou dificultem a expansão da saúde e do bem-estar paciente. Nessa dimensão menor, o trabalho pode atender às pessoas na subjetividade de cada uma delas. Nem tudo faz mal a todos da mesma maneira, assim como nem tudo faz bem a todos da mesma maneira. Na verdade, cada um é cada um e as reações provocadas por um mesmo fator podem ser diferentes de indivíduo para indivíduo.

Na dimensão maior da sociedade, é possível também detectar certos fatores que impedem ou dificultam o desenvolvimento da saúde psicológica, nos indivíduos e nos grupos. A psicologia, associada a outras ciências humanas, tem condições de contribuir, tanto para a correta definição destes como para a identificação das maneiras de intervir no meio social, a fim de eliminá-los (se possível) ou controla-los.

A miséria e a fome, a presença e o aumento de doenças endêmicas, a falta do mínimo básico de instrução, o tratamento injusto e o não reconhecimento da dignidade pessoal, a manipulação da informação tendo em vista o interesse de minorias privilegiadas, são fatores que quebram a espinha dorsal das personalidades humanas. Esses fatores fazem mal à saúde da sociedade como um todo.

A necessidade de crescimento econômico e acerto nas contas governamentais não justificam o sacrifício imediato imposto às grandes massas de trabalhadores, desempregados e aposentados (e respectivas famílias). A meu ver, o atual momento nacional não passa pelo teste de qualidade de uma acurada avaliação psicológico-profilática.

Postado por José Morelli

sexta-feira, 10 de janeiro de 2020

“Bad boy”

Não são poucos os que apostam nas vantagens de se projetar numa imagem de “Bad boy" - "Garoto mau"! O mercado cria aos montes símbolos desse mundo tenebroso por meio de figuras reproduzidas em camisetas, revistas, brinquedos e mesmo tatuagens impressas na pele humana. O consumo valida todos esses investimentos a ponto de virar moda que se impõe às mentes, expostas aos mais variados ventos dos interesses mercadológicos.

Em tempos passados, a divisão entre bem e mal parecia ser levada mais a sério. Deus e o demônio eram vistos e reconhecidos neles mesmos. Nem por brincadeira se mencionava os seus nomes e menos ainda se fazia deles reproduções em desenhos irreverentes. Só se aceitava que a eles se referissem quando alguma razão forte o justificasse. Hoje, o bem e o mal parecem terem sido banalizados pela maioria das pessoas. Já não se respeita nem um nem outro. Muitos se permitem brincar com eles livremente, sem medo de castigos.

A sociedade se deseja ver e se entender leiga, desvinculada de crenças religiosas. Vê-se entregue às forças naturais apenas. Vê-se e entende-se realista, objetiva, científica. Os bons princípios da razão prática não conseguem motivar as escolhas do bem em detrimento do mal. A sociedade paga um preço altíssimo por conta disso.

A evolução do pensamento se dá em espiral. Na medida em que se avança na conquista de novos conhecimentos, diminuem-se as distâncias entre os extremos. O Bem e o mal vão sendo desmistificados. O entendimento de que o bem pode ser vivido e, necessariamente, não precisa ser visto como risco de ser mal entendido, desvirtuando a imagem de quem o pratica, confundindo-o como indivíduo ingênuo, fraco ou bobo. É importante que indivíduos e sociedade evoluam no sentido desse entendimento.

Apresentar-se como “bad boy” não passa de uma maneira de se esconder, de se defender atrás de uma máscara. Por meio desta, o indivíduo julga-se protegido. No entanto, trata-se de uma proteção que fatalmente implica em perdas irreparáveis. O investimento no mal cria círculos viciosos destrutivos, enquanto que o investimento no bem é capaz de criar círculos construtivos, nos quais o bem se desdobra, revertendo-se em bens maiores e mais consistentes.

Postado por José Morelli