quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

“Quebrar arestas”

A sabedoria popular criou o provérbio: “água mole em pedra dura tanto bate até que fura”.
As corredeiras dos rios fazem com que lascas de pedras se desprendam, carregando-as consigo. Na medida em que estas se chocam umas com as outras e com os obstáculos encontrados nas margens e nos leitos profundos ou rasos dos rios, vão pouco a pouco quebrando suas arestas, arredondando-se em suas formas. Antes de as quebrarem, essas pedras são levadas pela correnteza com mais dificuldade e lentidão, por causa do maior atrito provocado por suas superfícies irregulares e pontiagudas. O arredondamento faz com que as mesmas ganhem mais leveza e velocidade. Estas são as contrapartidas pela perda das arestas.

A expressão “           quebrar arestas” também se aplica aos relacionamentos interpessoais. A vida humana pode ser comparada a um rio que leva. Quanto mais intenso é o relacionamento entre duas pessoas, maiores são as oportunidades destas se colidirem e de se quebrarem em suas próprias arestas, consideradas como defesas indevidas ou desnecessárias. A amizade, o namoro, o casamento, o relacionamento entre pais e filhos, entre irmãos, entre professores e alunos, entre colegas de escola ou trabalho, todos os relacionamentos inevitavelmente provocam tensões (atritos). Superfícies que se apresentem com maior dureza, podem resistir mais às colisões e permanecerem por mais tempo sem sofrerem alterações em suas formas. Deste modo, não se arredondam e continuam a atritar com as outras superfícies com a mesma morosidade. Com isso, não conseguem fluir como as outras, com a mesma leveza e rapidez.

As arestas não permitem muitas aproximações entre as pedras. Ao se chocarem, elas imediatamente se afastam umas das outras. São como espinhos que ferem e impedem de se encontrarem em suas partes mais essenciais. Homens e mulheres possuem arestas. Diferenças e semelhanças podem ser entendidas como ameaças à integridade física e moral por ambos. Dependendo de como essas diferenças são passadas de um para o outro, a compreensão das mesmas pode receber conotação construtiva ou destrutiva, transformando-se em arestas.

O rio e a vida levam. As pedras são carregadas juntamente com as águas rumo ao mar. Na aventura de se viver humanamente, quem “sabe perder”, permitindo-se quebrar as próprias arestas, não perde verdadeiramente. Consegue entender que, perdendo, aprimora-se, o que implica em ganhos maiores, tais como: maior intimidade e profundidade com os pares, maior leveza e rapidez para chegar ao objetivo.

Postado por José Morelli 

sábado, 16 de dezembro de 2017

Contemporaneidade

Dividimos os nossos tempos de vida com os de outras vidas, sejam estas experienciadas por pessoas, animais, plantas, lugares ou coisas em seus respectivos estágios de existência: somos todos contemporâneos daquilo tudo que está acontecendo efetivamente à nossa volta, perto ou longe. A realidade em sua total abrangência é imensa, incomensurável mesmo. Dependemos de toda essa contextualização para que possamos desenvolver-nos da forma como estamos conseguindo nos desenvolver em nossas capacidades humanas. Materialmente falando, somos comparáveis a um grãozinho de areia no conjunto de toda a materialidade do universo.

Mesmo sendo assim de dimensões tão insignificantes, temos a capacidade de reconhecer a nossa própria existência e daquilo tudo o que está à nossa volta. Temos a capacidade de reconhecer o tempo de demora da chegada à Terra da luz de uma estrela, que se encontra a milhões de anos luz de distância. Dividimos um mesmo tempo com essa luz que está se desprendendo de sua fonte geradora, neste exato momento: somos contemporâneos a esse desprendimento de luz que só chegará aqui num tempo que não sabemos quem poderá estar presente para recepciona-la e/ou assisti-la.

Nossa consciência nos coloca em consonância com o passado, com o presente e com perspectivas de futuro, próximo e remoto. O presente, por si só, já é de grandíssima profundidade em seu valor: a emergência dele propicia o surgimento de novas e novas vidas repletas de significados.

O passado histórico deixa marcas indeléveis nas trajetórias do presente. Carregamo-las em nossa consciência de maneiras consciente e inconsciente. Nada foi inútil e nada a ser construído deixará de ter sua utilidade e razão de ser. Somos todos inexoravelmente unidos uns aos outros e com a realidade contextualizada na qual nos encontramos profundamente inseridos.  

Postado por José Morelli

sábado, 9 de dezembro de 2017

Crucial

No dicionário do Silveira Bueno, encontramos as seguintes definições da palavra crucial: “que tem a forma de cruz”; “angustiante”; “mortificador”. Para identificar o momento mais difícil e decisivo de uma tarefa ou de um empreendimento, costumamos chamá-lo de crucial. Uma espécie de encruzilhada, em que as dificuldades como que “nos acuam num canto de  parede”, deixando-nos num “impasse”, numa “dúvida cruel”, “num quase beco sem saída”. Não sabemos se continuamos adiante ou se modificamos nossa trajetória, seguindo por outro caminho.

A cruz, no universo mental de nossa cultura judaico cristã, é carregada de significados. A cruz, por seu formato e, mais, pela utilização que teve no passado histórico e que ainda tem em nossos dias, permite-nos que lhe atribuamos uma série de referências. Se a imaginamos sobre o chão, suas direções podem indicar os quatro pontos cardeais: norte/sul; leste/oeste. Se a imaginamos erguida, suas direções podem apontar, verticalmente, para cima e para baixo (apontando para o mais alto dos céus e para as profundezas da terra) e, horizontalmente, para a direita e para a esquerda (simbolizando o tempo em seu passado e em seu futuro). O ponto em que as duas linhas se cruzam é, exatamente, aquele que caracteriza a cruz por sua condição de confluência/convergência: o momento presente.

“Angustiante”: é o segundo sinônimo que o dicionário apresenta. A possibilidade de abandonar o caminho já percorrido, só existe se surgir um novo caminho, que pode levar a lugares diferentes. Abandonar um e seguir outro é, quase sempre, angustiante. Sempre se perde alguma coisa, quando deixamos o certo pelo incerto, o conhecido pelo duvidoso. A perspectiva de outros ganhos ainda não parece garantida. A vontade de dar uma guinada para outra direção entra em conflito com a insegurança de vir a perder mais do que ganhar.

“Mortificador”: (de morte) – toda escolha implica em ganhos e perdas. Ganhar é o mesmo que viver e perder é o mesmo que morrer. A existência de mais um caminho e a possibilidade de escolhê-lo é liberdade efetiva. No entanto, escolher implica sofrimento. Bem que gostaríamos de poder querer e ter tudo. Porém, a experiência e a sabedoria popular, desde a muito, nos alertam para o risco de “em tudo querermos, tudo perdermos”. Esta é a condição da vida humana: a cada passo a ser dado, um novo risco de confrontar-nos com situações imprevisíveis.

Postado por José Morelli

                       

sábado, 2 de dezembro de 2017

Gravitar

A Terra gravita em torno do Sol, enquanto que a Lua gravita em torno da Terra. O verbo gravitar possui a mesma raiz da palavra gravidade. Lei da gravidade é a que rege a atração existente entre os astros e as estrelas. Por conta da gravidade é que se formam as grandes constelações, fazendo com que se mantenham em seus próprios formatos e, pelos quais, elas podem ser identificadas. Assim, é que são reconhecidas as constelações de Áries, Escorpião, Capricórnio e outras. A força de atração de cada astro é relativa à sua quantidade de massa. Quanto maior a quantidade desta, maior será sua força de atração. De maneira geral, astros menores gravitam em torno de astros maiores e não ao contrário. Aonde vai o maior, o menor acompanha.

Pelo que se pode observar, astros giram em torno uns dos outros. E as pessoas fazem o mesmo, gravitando, repetindo os mesmos movimentos em torno das mesmas coisas... Pode-se observar, também, que as pessoas, por costume ou acomodação, deixam-se atrair, permanecendo voltadas sempre para os mesmos focos de interesses. À semelhança dos astros e estrelas, pessoas, instituições, objetos, obrigações, alguns tipos de atividades, como o esporte, a leitura e outros exercem atração sobre os indivíduos, levando-os a concentrarem suas atenções, consumindo-os em suas energias.

Em algumas situações, crianças pequenas se grudam à saia da mãe, não querendo desgrudar de maneira alguma. Aonde ela vai, a criança vai junto. Quando existe algum perigo, quem procura a criança para protegê-la, não a deixando nem por um segundo, é a mãe. Nesses casos, a busca de maior segurança é a força de atração entre mãe e criança. A insegurança frente ao novo é um dos fatores que mantém as pessoas gravitando quase sempre em torno das mesmas coisas e das mesmas pessoas.

Existem aqueles que giram quase que exclusivamente em torno das novelas da televisão, dos noticiários, do ócio, dos afazeres domésticos, do trabalho, de algum vício, do futebol, do namorado ou namorara, do filho ou filha... Esquecem-se de si mesmos, de que têm vida própria, de que não são apenas satélites de algum outro astro maior, mas que podem ser mais livres, permitindo-se explorar outros espaços ainda não percorridos.

Postado por José Morelli