quinta-feira, 7 de março de 2024

Protagonismo

Essa palavra tem estado presente na minha cabeça já há alguns dias. Julgo que não é à toa que isso vem acontecendo. Protagonismo é a função de quem assume desempenhar um papel proeminente. Pode ser de um ator ou de uma atriz principal, de um lutador (militar ou militante político), de um jogador de qualquer modalidade esportiva (Pelé/Messi/Neymar/Oscar/Ortência). Mas, o que imagino tem sido o que vem influenciando, com mais força, minha ideia fixa na palavra “protagonismo” é o que tenho ouvido a respeito da maneira como o Papa Francisco vem exercendo seu papel de líder religioso.

A última notícia que ouvi a respeito dele, foi a da visita que fez a um seu amigo, o pastor evangélico Giovanni Traetino, morador na cidade de Caserta, no sul da Itália. Foi a primeira vez que um Papa viajou do Vaticano para encontrar um pastor protestante. Esta visita já vem sendo qualificada como histórica. Na ocasião, o Papa afirmou que “entre as pessoas que perseguiram os pentecostais também houve católicos: eu sou o pastor dos católicos e peço perdão por aqueles irmãos e irmãs que não compreenderam e foram tentados pelo diabo”.

Após essa conversa privada, os dois religiosos foram de carro à igreja evangélica da reconciliação de Caserta, onde fiéis curiosos aguardavam a chegada do papa. Ali, o líder católico pediu que os cristãos se unam na diversidade, dizendo: “O Espírito Santo cria diversidade na Igreja. A diversidade é bela, mas o próprio Espírito Santo também cria unidade, para que a Igreja esteja unida na diversidade: para usar uma palavra bonita, uma diversidade reconciliadora”.

Confesso que, nos meus 72 anos de vida, nunca vi um papa que protagonizasse seu papel de líder religioso católico de forma tão expressiva e positiva. Protagonismo assim, me remete a Jesus Cristo. Ele foi e é o maior de todos os protagonistas que deixou sinais que permanecem vivos até os dias de hoje. Suas ações e palavras ainda têm força, passados dois mil anos de sua passagem pelo mundo.

Postado por José Morelli

 

"Processar informações"

Quem idealizou e construiu o computador foi o cérebro humano que, inspirando-se em si mesmo, criou-o também “à sua imagem e semelhança”. Encaixando-se ou desencaixando-se, os dados nele armazenados, de acordo com os sistemas previamente programados, podem ser processados de inúmeras formas, permitindo que se chegue aos mais diferentes resultados.

Se o computador possui essa similaridade com a mente humana nada impede de que a linguagem técnica a ele atribuída também possa ser, com as devidas ressalvas, utilizada no sentido de ajudar no entendimento dos processamentos das informações, obtidas através do aparato com que somos dotados por nossa capacidade de seres inteligentes.

Neste aparato, mediante terminais avançados, são captados estímulos produzidos por imagens tridimensionais coloridas, em branco e preto ou incolores, sons, sabores, cheiros e sensações táteis, além das percepções mais sutis captadas pelo chamado sexto sentido. Todos estes estímulos são transmitidos por neurotransmissores às respectivas regiões cerebrais de onde são acionados mecanismos de decodificação e de entendimento, dependendo da maneira como cada nova informação vai se encaixando ou se desencaixando, tudo isso de acordo com um direcionamento determinado por algum tipo de programação prévia.

As informações são tantas e tão variadas se constituindo em redes que se interligam umas com as outras. Desta forma, cada uma delas pode ser acessada como que através de links.  Numa vida inteira, são incontáveis as informações que um indivíduo recebe do ambiente em que vive e que são processadas por sua mente. Um aluno de universidade, em seu curso específico, é contemplado com informações especiais, tendo em vista seu preparo para o exercício de uma profissão.  O resultado final se constitui pela materialização destas informações em atitudes concretas. O número e a qualidade das informações concorrem para o bom resultado a ser obtido ao final do curso. No entanto, mais importante do que as informações em si mesmas é o processamento que delas cada mente é capaz de realizar.

Postado por José Morelli

Primeira menstruação

Além dos sinônimos: regras, mênstruo, menarca, incômodo, visita, encontrados no dicionário do Aurélio, tive conhecimento de mais um, bastante sugestivo e que me chamou a atenção pela originalidade: “PAPAI NOEL DA BARBA VERMELHA”.

Foi numa conversa que se deu entre uma senhora e uma pré adolescente:

- O “Papai Noel” já veio?

- Que “Papai Noel”?

- O da barba vermelha!?...

Desta forma, a simpática senhorinha se abriu uma porta para estabelecer um importante diálogo com sua sobrinha, no sentido de prepará-la para a primeira menstruação. O resultado foi ótimo. Ela nunca mais esqueceu. E isso já faz uns bons anos, numa pequena cidade do interior de Minas Gerais. Naquele tempo os preconceitos eram ainda mais fortes e dificultavam conversas abertas entre adolescentes e adultos, fossem eles pais ou educadores.  “Papai Noel da Barba Vermelha” é uma mistura de fantasia e realidade, que bem representam a transição e o choque entre fases da infância e da adolescência.

Os fatos, as reações que acompanham a primeira menstruação, podem marcar positiva ou negativamente a vida da menina moça. Mesmo hoje em dia, com tantos avanços, tantas aberturas, o despreparo e o preconceito ainda provocam atitudes que podem provocar traumas. A maneira de reagir à notícia, aquilo que se diz e o modo como se diz, o silêncio,... tudo isso pode ser muito importante e deixar marcas consciente ou inconscientemente.

A primeira menstruação demarca o término da fase da infância e o início da fase da adolescência. È uma transição que acarreta perda de coisas muito boas: aquela vida menos responsável, mais protegida e aconchegante, os brinquedos,... vão cedendo espaço às transformações corporais e hormonais. Os ganhos dessa nova fase vêm devagar e precisam de um preparo para serem bem assimilados e aproveitados: liberdade, gradativa autonomia, mais sentido de responsabilidade, desenvolvimento corporal e psicológico.

Encontrar uma forma de entrar no assunto. Ajudar. Aproveitar da abertura para falar de outras realidades correlatas e que ampliam o horizonte da vida que está desabrochando. Ressaltar os aspectos positivos sem simplesmente esconder os da realidade mais dura é uma arte e um significativo gesto de amor.

Postado por José \Morelli

Presunção de perfeição

Ser perfeito não é prerrogativa humana; uma vez que esta qualidade é somente atribuível a Deus. Na verdade, por mais esforço e boa vontade que um ser humano tenha, ainda assim, suas ações serão sempre passíveis de alguma imperfeição. É por isso que alguns professores, no intuito de avaliarem com mais justiça os trabalhos de seus alunos, estabelecem a comparação entre eles como critério a ser adotado em seu julgamento: o trabalho que se apresenta melhor fica com a nota mais alta. Os demais são avaliados com notas intermediárias até chegar ao último, aquele considerado com o menor número de acertos. Este receberá a nota mais baixa. Ajuda a entender melhor esse tipo de julgamento avaliativo o expresso no dito popular que diz assim: “Em terra de cegos, quem tem um olho é rei”.

Na dinâmica do dia a dia, as pessoas, instantaneamente, se comparam umas com as outras. A partir do juízo que formam de si mesmas se posicionam relativamente às imagens mentais que formam dos outros. Pela lei do menor esforço, frequentemente, os julgamentos são feitos mais pelo que se observa exteriormente, do que pela consideração da realidade interior (fundamental) inerente a cada pessoa.

A realidade que envolve os humanos na vida presente é a mesma para todos e todas. Por isso, o critério avaliativo utilizado por professores também deveria ser utilizado por todos nós, cidadãos e cidadãs, em nossas considerações e tratos mútuos, bem como os juízes em seus julgamentos e o povo, em geral, na consideração e escolha daqueles e daquelas a quem desejam eleger como seus representantes, nos parlamentos e no executivo.

É preciso muito cuidado com a presunção de perfeição que pode nos levar a verdadeiras alucinações, uma vez que não é difícil que ela se volte para nós como feitiço contra o próprio feiticeiro. O que o presunçoso faz com o outro, desvalorizando-o, pode ele próprio se tornar vítima de outra pessoa, ainda mais presunçosa do que ele que, arrogantemente, o desvaloriza e o coloca debaixo de seu sapato.

Postado por José Morelli

Portas e janelas

É difícil imaginar uma casa, por mais simples que ela seja, sem pelo menos uma porta e uma janela. Para poder servir a seu objetivo, toda casa precisa isolar-se do meio em que se encontra, separando o dentro do fora. O isolamento de uma casa não pode ser total. Portas e janelas têm a finalidade de diminuir essa separação, estabelecendo passagens do interior para o exterior, permitindo-lhe que nela possam entrar ou sair.

Através das portas, as pessoas entram e saem com facilidade. As janelas possuem outra finalidade. Através delas passam a luz do sol e o ar fresco, que mantém a casa mais clara, aquecida e arejada. Trancas, grades, fechaduras e cadeados são alguns dos acessórios que podem complementar portas e janelas. Nas zonas urbanas, as casas deixaram de ser apenas proteção contra bichos, frio, chuva e intempéries e passaram a ser, principalmente, proteção contra roubos e violências, sofisticando-se os sistemas de segurança.

Todo aparato de segurança que vemos emoldurando portas e janelas é um sinal do medo que os seres humanos nutrem uns pelos outros. Se as pessoas, assim protegidas, podem se sentir mais seguras, o que acontece quando essas mesmas pessoas saem de suas casas e se encontram mais expostas nas ruas?... É preciso que elas desenvolvam mecanismos psicológicos de proteção, no sentido de se firmarem em suas seguranças, não se deixando perturbar por medos, principalmente infundados. A discussão sobre posse e uso de armas de qualquer natureza ainda divide opiniões. O problema da violência possui muitas causas e merece ser estudado em profundidade por toda a sociedade. Certamente, a repressão não é única forma de resolvê-lo. Ações que ajudam as pessoas a se desenvolverem em suas capacidades construtivas precisam ser incentivadas e colocadas em prática.

Em lugares mais afastados do interior, principalmente nas fazendas e roças, portas e janelas ainda possuem suas funções de origem, sem grandes necessidades de aparatos de segurança. Os problemas que amedrontam as cidades ainda não chegaram a esses lugares. A timidez das pessoas que vivem mais distantes das cidades se deve à forma natural e simplicidade em que vivem. Uma melhor instrução e perspectiva de desenvolvimento é o que mais poderia garantir-lhes um sentimento de maior segurança em seus relacionamentos interpessoais.

Postado por José Morelli

Nas zonas urbanas e nas zonas rurais, tanto as casas como as pessoas precisam se relacionar com o que existe fora. Trancar e trancar-se não faz bem à saúde nem das casas nem das pessoas. O sol e o ar puro, bem como o compartilhar das boas qualidades desenvolvidas pelos seres humanos existem para servir ao benefício de cada um e de todos.

 

"Porão" da mente

Em casas mais antigas podem ser encontrados porões de vários tipos, alguns com mais facilidade de acesso outros com menos. Quanto à altura, há os que são mais rasos e os que permitem de adultos não precisarem se abaixar para neles permanecerem de pé. A luminosidade vinda de fora é, geralmente, pouca ou mesmo nula. Quem, na infância, passou pela experiência de entrar em um porão, com entrada de alçapão e sem escada, tendo que soltar as mãos para deixar-se cair até atingir o chão, traz guardado na memória a sensação que essa experiência costumava proporcionar. Os porões, em geral, possuem características parecidas, O status deles não goza do mesmo prestígio do que o dos outros cômodos mais nobres das moradias. Hoje, lugares que antes eram ocupados por porões, servem como espaços destinados a garagens para os carros, em casas ou prédios.

Quanto à utilidade dos porões, eles ainda são o lugar por excelência para onde são levados todos aqueles objetos e móveis que já não possuem lugar nos principais cômodos da casa. Ali podem ser encontrados estrados de camas velhas, armários, prateleiras, livros e discos em desuso e uma infinidade de outras tralhas que ainda não foram doadas para entidades beneficentes ou mandadas para o lixo. Sinais de um passado vivido podem ser reconhecidos em cada peça neles encontrada. Se as paredes dos porões tivessem olhos e ouvidos, certamente teriam muitas e muitas histórias para contar.

Paralelamente ao que acontece com as casas, nossa mente também não deixa de ter uma espécie de porão, no qual, consciente ou inconscientemente, à semelhança de utensílios em desuso, fomos depositando um a um os registros e as lembranças de fatos vivenciados e que fizeram parte de nossa história pessoal e familiar, principalmente.

De quando em quando, os porões precisam de uma reordenação total. A quantidade de tralhas passa a incomodar a ponto de não se poder esperar mais para arregaçar as mangas e vasculhar em tudo, reavaliando um a um cada objeto encontrado. Enquanto o corpo executada essa tarefa, a mente também retorna a seu próprio porão reencontrando suas antigas lembranças. Histórias boas e ruins, agradáveis e desagradáveis, voltam à tona. As mãos tocam e sentem os objetos. A mente sugere o que seria melhor fazer com cada um deles. Alguns papéis ainda são guardados, enquanto outros são rasgados para poderem ser reciclados e terem novas vidas, servindo a outras histórias, talvez menos desafortunadas que as por nós vivenciadas.

Mesmo que deixassem de existir porões nas casas, os da mente sempre existirão. Dentro de nós, o novo e o velho necessitam manter um diálogo quase constante. Do passado sempre se pode tirar, no presente, alguma boa lição... E o futuro não pode deixar de reconhecer e agradecer por isso!     

Postado por José Morelli

  

“POR AMOR DO MEU AMOR”

Esta frase compõe um pequeno texto - oração, pedido - atribuído a Santo Agostinho. Nascido no ano de 354 desta nossa era cristã, Agostinho de Hipona foi e é considerado um dos mais importantes teólogos e filósofos do início do cristianismo. Sua mãe, Santa Mônica, rezou muito para que seu filho abandonasse o ceticismo e a degradação moral que vivia e se convertesse ao catolicismo. As duas obras, mais conhecidas e escritas por Agostinho são: “Cidade de Deus” e “Confissões”.

O pequeno texto a que me referi acima tem como interlocutor a pessoa de Jesus. A este Agostinho chama de: Senhor. O pedido que faz a Ele começa assim: “QUE EU MORRA, SENHOR...”. (Aqui, o verbo morrer é utilizado em sentido amplo: literal e simbólico. A entrega da vida vivida, no dia a dia, pode ser mais significativa do que a daquele momento em que a mesma, simplesmente, tem por terminada sua passagem neste mundo).

 O texto tem sequência com mais uma frase: “Que eu morra, Senhor, POR AMOR DO TEU AMOR...”. (Aqui, a referência a que Agostinho alude é a do amor que Jesus demostrou ao derramar seu sangue no alto da cruz – morrendo em sentido literal e não apenas simbólico - oferecendo-se pelo resgate e salvação de toda a humanidade, sem exclusão de ninguém em todos os tempos e em todos os lugares). É por este amor de Jesus - por ele e por todos - que Agostinho pede para morrer também.

Concluindo o texto, vem mais uma última frase: “Que eu morra, Senhor, por amor do teu amor, QUE POR AMOR DO MEU AMOR SE DIGNOU MORRER” (Amor este que se encontra em Agostinho e nos demais seres humanos – como capacidade gratuitamente recebida de corresponder com a mesma medida: amor se retribui com amor). Finalizando, para que possa ser saboreado em toda sua profundidade, aqui vai o texto de Santo Agostinho por inteiro, tal como ele é conhecido e recitado por muitos que o conhecem e nele encontram sentido: “QUE EU MORRA, SENHOR, POR AMOR DO TEU AMOR; QUE, POR AMOR DO MEU AMOR SE DIGNOU MORRER!”.   

Páscoa é renascimento, ressurreição. Uma celebração da vitória da vida sobre a morte, da vitória da verdade sobre a mentira, da vitória do amor sobre o ódio. Feliz Páscoa!

Postado por José Morelli

Papéis complementares

Ao dedicar-se a seu bebê, desde o nascimento, a jovem mãe vai criando e desenvolvendo, em si, aptidões relacionadas a seu novo papel, complementando o filho ou filha em suas necessidades de alimentação, higiene, afeto. Pouco a pouco, vai se conhecendo melhor e a seu bebê, nas maneiras dele responder aos estímulos que provoca.  Enquanto ela aprende com suas vivências, o nenê também vai fazendo seus registros e se preparando para, passados alguns meses, surpreender a todos mostrando do que foi capaz de assimilar e reproduzir. Tendo recebido, tantas vezes, colheradas de comida em sua boca, em dado momento, imitando o comportamento observado na mãe e, invertendo os papéis, o bebê surpreende, insistindo em colocar a colher na boca de outra criança ou de alguma boneca ou bichinho de pelúcia, simulando dar-lhes de comer.

Neste texto, a palavra papel se refere ao papel teatral, do personagem representado por um ator ou atriz. Tanto os papéis familiares como os papéis sociais possuem seus complementares. O papel de pai ou de mãe é exercido a partir de sua complementaridade com o papel de filho/filha. O papel de irmão ou de irmã também possui seu script. Irmãos e/ou irmãs complementam-se em suas interações a partir de expectativas, apreendidas do inconsciente coletivo da sociedade. Da mesma forma, são exercidos os papéis complementares entre avós e netos/netas, netos e netas entre si, tios ou tias e sobrinhos/sobrinhas e vice-versa, primos ou primas entre si, sogro ou sogra e genro/nora, cunhados e cunhadas, namorados e namoradas, compadres e comadres entre si, padrinhos ou madrinhas e afilhados/afilhadas.

Quanto aos papéis sociais, seria difícil enumerá-los a todos. Aqui estão alguns exemplos: Ao papel de patrão, complementa o papel de empregado; ao de vendedor, o de comprador; ao de agressor, o de vítima, ao de professor, o de aluno; ao de proprietário, o de inquilino; ao de policial, o de bandido; ao de médico, o de paciente; ao de gerente, o de subordinado; ao de motorista, o de passageiro; ao de governante, o de cidadão; ao de senhor ou feitor, o de escravo.

Todo papel supõe uma ação/atuação. Voltando-nos para nossas próprias vivências e refletindo sobre elas, somos capazes de modificar-nos em nossas condutas, adequando-as ou adaptando-as, desenvolvendo-nos em nossos padrões de comportamento tanto individual como coletivo. Adquirimos novos status perante a sociedade, consolidando nossa personalidade.

Postado por José Morelli

"Pagar a língua"

Nosso idioma português possui inúmeras expressões de linguagem, capazes de traduzir as idéias mais sutis e interessantes. Pagar a língua é uma dessas expressões, cujo verbo é utilizado não em seu sentido literal, mas simbólico. Não se trata de pagamento em que o dinheiro serve à transação. Pagar, neste caso, significa: “dever se arrepender ou voltar atrás do que disse”; “ter que arcar com as conseqüências do que falou”.

A palavra, tendo saído da boca, volta-se contra aquele mesmo que a pronunciou. Um caminho de ida e de volta. A verdade pronunciada retorna. O incentivo dado gratifica a quem o dá. O veneno da língua ferina não recomenda que a mesma seja mordida. O que vale para a palavra, vale também para os pensamentos, mesmo para aqueles não manifestados exteriormente, porém contidos no interior da mente e, por fim, para as ações, estas sim expressas em gestos concretos e perceptíveis a olhos humanos ou a atentas câmeras de segurança.

O preço a ser pago é estabelecido pela consciência de quem diz, pensa ou faz. Uns possuem consciência mais exigente, cobram mais de si mesmos; enquanto que outros possuem consciência mais relaxada, pouco ligando para o que têm ou não a pagar quando falam qualquer besteira. Os primeiros parecem sofrer mais do que os segundos. Pela insensibilidade que estes demonstram, muitas vezes conseguem transferir para outros os sofrimentos que deveriam sentir na própria pele. Quanto marido sente pelo que fala a mulher e quanta mulher sente pelo que fala o marido, principalmente quando este já bebeu umas e outras, a mais do que devia?!

O preço a ser pago pode também ser estabelecido por aquele que se sentiu ofendido pela palavra que o outro descuidadamente vomitou de sua boca. A reação é imediata: Você vai engolir tudo o que está falando, palavra por palavra! Aí, é que a coisa fica feia mesmo. Os ouvidos que ouvem, os olhos que vêem não deixam barato e reclamam por justiça. O direito de cada um chega até o ponto em que começa o direito do outro.

Os direitos são individuais e coletivos. Os direitos de cada grupo chegam até o ponto em que começam os direitos de outro grupo. Um não é superior a outro. Nas relações, até mesmo nas internacionais, as atitudes tomadas não ficam sem um preço a ser pago. A partir dos exemplos que são dados por indivíduos e por instituições, as crianças vão tirando suas conclusões, a fim de construirem o próprio senso de justiça. Depois de tudo, não haverá como chorar pelo leite derramado. O momento presente é crucial. A boca fala aquilo que o coração carrega em si, abundantemente. Você não acha também que Pagar a língua merece ser considerada uma feliz expressão de nossa língua pátria?!

Postado por José Morelli

  

 

 

 

quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024

Outono

Coincidindo com a quaresma, aproximação da semana santa e celebração da páscoa, o outono teve início na madrugada da última terça-feira, dia 20 de março. As diferenças entre as estações do ano, num país tropical como o nosso, não se apresentam de maneiras tão flagrantes como em outras partes do mundo. No entanto, as características básicas de cada estação se mantêm, completando-se umas às outras em suas próprias funções.

É o momento de as árvores se renovarem em suas folhas. Estas caem e forram o chão como um tapete. Algumas espécies ficam só tronco e galhos nus. Costuma-se chamar a velhice de o “outono da vida”. A imagem das árvores, nessa estação do ano, pode simbolizar situações e sensações, que acontecem na vida dos humanos, em momentos que só ocorrem na fase da velhice. 

Toda vez que a vida exige renovação é inevitável que aconteçam perdas, da mesma forma como se observa nas árvores, no período do outono. A sensação, provocada por essas perdas, pode ser bem representada pelos aspectos de uma árvore desnuda com suas folhas sendo carregadas pelo vento.

As folhas das árvores, quando verdes, funcionam como se fossem os pulmões da planta. Caídas no chão, elas passam a se decompor e se transformam em excelente adubo. É o momento de devolver à terra aquilo que a árvore dela havia antes recebido.

A chuva e o orvalho umedecem as folhas caídas. Vem o sol e as aquece. As folhas conservam o calor junto à terra, além de enriquecerem-na com nutrientes, que lhe servem como alimento, dando-lhe condições de renovar-se e de revitalizar-se. A natureza é assim: num momento ela dá e noutro ela recebe de volta. Por essas e outras razões, o outono possui a capacidade de ser referência. Como parte da natureza física, os humanos participam dos ciclos da vida, juntamente com os irracionais e as plantas.

Toda mudança implica em perdas e ganhos. No outono, enquanto as árvores perdem presença em suas partes visíveis, fora da terra, suas raízes se desenvolvem sob o solo, fortalecendo-se para que a planta se renove com mais força. Quem sabe perder, não perde. Sabe encontrar ganhos novos que só podem vir com a experiência que só as perdas conseguem proporcionar.

Postado por José Morelli

Oscilo

O pêndulo do relógio oscila, indo de um lado para o outro. Também oscilo, perguntando-me a cada instante para que lado devo ir: se para frente ou para trás, se para a direita o para a esquerda. Oscilo entre privilegiar a minha vontade ou privilegiar a vontade do outro, obedecer a mim mesmo ou obedecer ao outro, satisfazer-me em minhas necessidades ou satisfazer ao outro, nas necessidades dele. Nem sempre é fácil escolher ou decidir. Fico em dúvida e sinto como se este sentimento reclamasse de mim algum posicionamento definido. Penso que é normal que me sinta assim, uma vez que minha mente está em mim e é de meu lugar que vejo o que está à minha volta. É próprio de quem tem a prerrogativa de pensar poder escolher entre alternativas. Sou responsável pelo que elejo para mim. Assumo o que penso, o que faço, o que sinto e o que decido escolher.

Posso perceber vantagem e desvantagem de um lado e vantagem e desvantagem de outro lado. Ganho e perco em cada escolha que faço. Se fico comigo mesmo, isolo-me, distancio-me dos demais. Se opto por ficar com os demais, talvez sinta que me deixei em segundo plano. Sinto que preciso de mim mesmo e preciso também do outro. Sinto que contraio dívidas comigo mesmo e contraio dívidas também com o outro. Preciso pagá-las dentro dos prazos de vencimento. Não posso ficar inadimplente nem de mim e nem do outro.

Para que o relógio permaneça andando e não pare, é preciso que sua posição seja correta, dando ao pêndulo a liberdade de oscilar em equilíbrio. Os dois extremos precisam ser tocados. Enquanto os pêndulos oscilam, os ponteiros do relógio se movem, marcando o tempo presente e avançando na direção do tempo futuro.

Construo-me e a meus caminhos através de minhas escolhas. À semelhança dos relógios de pêndulo, preciso de equilíbrio em minhas posições. Não preciso entender como se tudo já estivesse determinado, escrito em algum lugar. Minha liberdade é um direito, um valor do qual não posso, não devo abrir mão. Oscilar faz parte dessa liberdade. É o preço que pago, é uma questão que me cabe resolver, como já dizia Shakespeare: “To be or not to be, this is the question” que, traduzindo, é o mesmo que: “Ser ou não ser, eis a questão”.   

Postado por José Morelli  

Orgulho de ser paulistano

Os limites desta nossa grande cidade de São Paulo se estendem até as chamadas periferias. Os que aqui nasceram ou vivem consideram-se da capital. A maior cidade da América Latina é também a mais rica e próspera. Sua história de heróicos bandeirantes é tão ou mais admirável que a dos cow-boys americanos, contada e recontada através de tantos filmes. Diante de olhares mais atentos se descortinam obras edificadas com muita arte: algumas que chamam a atenção, outras por longo tempo escondidas e apenas desvendadas pelas lentes de alguma indiscreta máquina fotográfica. Por essas e outras razões, nada mais natural de que nos sintamos orgulhosos de sermos cidadãos desta imensa metrópole paulistana.

A cidade em seu todo possui uma missão. Pontos em comum são acompanhados de diferenciações: unidade na diversidade. O centro e cada bairro também possuem suas missões específicas e complementares. As maneiras de ser das diversas partes da cidade não são homogêneas merecendo tratos diferenciados. Cada bairro, cada rua se distingue por suas características. Todos merecem cuidados especiais por parte dos serviços públicos. Os investimentos precisam chegar a todos os lugares desde o centro até os mais periféricos. É preciso a união de todos e muita sabedoria para se administrar o dinheiro aplicado nas obras públicas. Só a ânsia de fazer por fazer não vale à pena. É importante cuidar para que os gastos sejam bem aproveitados. Os impostos são pagos com o dinheiro que os cidadãos ganham com seu trabalho suado. Não é dinheiro para ser jogado fora. Gastar material e mão de obra em construções mal-feitas é um desperdício e desrespeito à cidade e aos cidadãos.

Investimentos em regiões ricas da cidade consomem bilhões de reais na construção de túneis, viadutos e outros equipamentos. O dinheiro dos impostos, vindos de toda a cidade, beneficia  regiamente a esses lugares. Já está mais do que na hora de se investir mais nos bairros e nas periferias. É gritante a diferença existente entre as diversas áreas. A saúde de cada um depende das condições existentes em todos os lugares. O bem individual depende do bem de toda a coletividade. Amar e ter orgulho de ser paulistano é desejar ver a cidade com qualidade de vida em toda a sua extensão e para o maior número dos que aqui vivem.

Postado por José Morelli

Oportunidade

Os profissionais do marketing têm uma noção muito especial do que representa a palavra oportunidade. Como aproveitar, numa propaganda, os trinta segundos da televisão e impactar o telespectador, mobilizando-lhe emocional e intelectualmente no sentido de aderir a alguma proposta concreta? A vida também não deixa de ser um grande palco, no qual desempenhamos os diversos papéis que nos cabe em cada momento.

O momento é o tempo presente: a oportunidade que a vida dá. A atenção, a predisposição de aproveitar de cada oportunidade faz grande diferença, principalmente quando a concorrência é muita. A noção de tempo está na cabeça de cada um de nós. Posicionamo-nos perante ele pela maneira como o consideramos seja presente, passado ou futuro.

A vida dos seres humanos não é idêntica à da televisão. Nesta, uma publicidade pode ser repetida quantas vezes seus promotores quiserem ou puderem. A repetição martela a mensagem na cabeça das pessoas, condicionando-a sem que ela se dê conta do que acontece. Na vida é diferente. Nela, o filme não volta. Cada oportunidade é única. O presente é fugidio, escorregando pelos vãos dos dedos. Corremos atrás dele e quando o pegamos já não é mais o mesmo. Esse é o lado angustiante do presente, que nos é sempre dado como o maior dos presentes. Lidar com o tempo não deixa de ter suas complicações. A ansiedade pode, muitas vezes, embolar esse meio de campo.

 O tempo e o espaço são duas variáveis nas quais nossa vida humana acontece. Dependendo do lugar em que nos encontramos, o tempo nos poderá ser propício ou não para alguma coisa. Enquanto aqui no Brasil é dia, no Japão é noite e vice-versa. Se é da luz do dia que precisamos e nos encontramos no Brasil, em horário noturno, a variável de espaço não nos permitirá a oportunidade que tanto precisamos. Revoltar-se e indignar-se contra essa realidade só maltrata a alma.

O hoje, o agora, é o que está ao alcance de nossas mãos. Ele se constitui como oportunidade que a vida nos oferece em cada momento. Depende de nós aproveitá-lo, utilizando-nos da prerrogativa de podermos fazer escolhas na vida. Empurrar uma oportunidade com a barriga pode não ser nossa melhor opção no presente. A psicoterapia ajuda na construção de um autoconhecimento e harmonização entre intelecto e emoção, uma forma de assumir mais integralmente a própria realidade, ampliando e integrando os entendimentos daquilo que nos constitui e envolve. Numa hierarquia de valores, escolhermos nos beneficiar da oportunidade de fazer psicoterapia, pode ser a opção mais salutar e inteligente que podemos fazer no agora.

Postado por José Morelli

 

Ombros

Nossos ombros ocupam uma posição estratégica. Em próximos dos braços e das mãos, eles se prestam para carregar coisas. Trabalhadores braçais conseguem desenvolvê-los em seus músculos e estrutura óssea. Aqueles que se dedicam a atividades mais sedentárias podem se compensar da falta de trabalhos pesados com exercícios feitos em academias de ginástica. Mesmo que a tecnologia moderna tenha conseguido aliviar os ombros de muitos de nós, ainda não conseguimos apagar de nossa mente a ideia de que os ombros se prestam para carregar pesos.

E não só pesos de natureza física. Em nosso linguajar usual, utilizamo-nos de expressões que mostram como aos ombros é, também, atribuído suportar pesos de natureza não-física, como os das preocupações, aborrecimentos e outros tipos de sobrecargas. Tanto num como noutro caso, a musculatura pode ficar dolorida. Para aliviá-la podemos massageá-la, dissolvendo lhe a tensão.

Ombros são sinais de força, de vigor. Ombro a ombro é o mesmo que buscar um objetivo com solidariedade. Dar de ombros é encolhê-los, mostrando indiferença. Os ombros falam, comunicam-se através das maneiras como se comportam. Eles se harmonizam ou não com o todo do corpo e da mente.

Ombros masculinos e femininos. Os primeiros viris, mais largos e encorpados; os segundos sensuais, mais estreitos e delicados. Estas e outras características, captadas e processadas pela mente, ajudam-na a associar mil ideias a esta parte tão proeminente de nosso corpo.

Armaduras de antigos guerreiros realçavam lhes os ombros. Enchimentos dos jogadores de futebol americano, preferência nacional nos Estados Unidos, além de protege-los dos choques, servem para dar-lhes mais volume. Cada povo, através de suas preferências em todos os campos, projetam suas ideologias e seus valores.

Cuidamos de nossos ombros. Eles nos representam. Projetamo-nos através deles. Não convém que os tenhamos caídos e desanimados. Respirando profundamente, fazemos com que se posicionem em seu devido lugar. Nossos ombros espelham nossa dignidade como gente. Merecemos tratar-nos bem em tudo o que nos constitui. Merecemos olhar-nos em cada uma e em todas as partes com que nos constituímos. Nossos ombros nos agradecem por isso!

Postado por José Morelli 

"Olho interior"

Nosso pensamento pode funcionar como um olho interno. Se concentrarmos nossa atenção sobre o interior de nosso corpo, sentindo-o e percebendo-o, conscientizamo-nos de como ele se encontra em cada uma de suas partes. Nosso pensamento funciona como um olho mágico, dotado de grande capacidade integradora de nossas funções vitais.

Sensações de incômodo ou de dor podem servir como “gancho” para o pensamento. O importante é não permitir que, neste olhar do pensamento sobre o nosso interior, a atenção fuja ou se desconcentre. Fantasias negativas quanto à dor, principalmente, levam nosso pensamento a fugir ou desviar-se para outras coisas. Superando esta tendência bastante comum de acontecer, deixamos o medo de lado, permitindo que nossa consciência exerça sua função integradora, dissolvendo as tensões, instaladas em partes localizadas de nosso corpo ou generalizadas em seu todo.

Trata-se de um exercício. Quanto mais o praticamos, mais nos aprimoramos em exercitá-lo, conseguindo melhores resultados na concentração e no relaxamento por ele proporcionado. Corpo e mente, voltados um para o outro, tornam-se mais fortes e seguros. Ambos formam um conjunto mais harmonioso. Uma parte ajuda à outra. Nosso ser, em seu todo, só pode se beneficiar com o tempo em que nos dedicamos a esse exercício.

O medo não é bom conselheiro”, costuma-se dizer. É verdade! Neste caso, também, o medo atrapalha e muito. Ficar imaginando que os sintomas são de doenças graves só atrapalha. Da mesma forma como o pensamento pode ajudar, pode também, se for negativista, dificultar o fortalecimento do corpo.

Associar o pensamento consciente com a tensão existente dentro dos olhos tranquiliza-os e faz diminuir-lhes a tensão, faz também com que eventuais sensações de dor se dissolvam, facilita ainda seus movimentos e integra-os com outros movimentos de outras partes do corpo. O mesmo se pode dizer de quando fazemos uso desse exercício concentrando-nos em outros órgãos ou funções de nosso organismo. Pondo atenção sobre a respiração, sobre os batimentos cardíacos de nosso coração, sobre os incômodos provocados por uma gastrite ou por uma cólica intestinal.

As idéias expostas aqui valem como complemento de tratamentos, naqueles casos em que existe realmente algum problema orgânico, que compromete a saúde do corpo, em alguma de suas partes. Valem, com mais propriedade ainda, quando o problema é de fundo emocional ou nervoso. Valem, principalmente, como prevenção de distúrbios e de doenças. Nosso olho interior, acompanhado de idéias positivas sobre nosso corpo, com capacidades de se auto-ajudar, é de grande valia para a manutenção e desenvolvimento de nossa saúde física e psicológica.

Postado por José Morelli

O "nosso" psicológico

Não me refiro ao psicológico pessoal de cada um de nós. Refiro-me, especialmente, ao psicológico que pode ser considerado “nosso”: tudo aquilo que existe em torno de nossa coletividade mais próxima, deste nosso bairro da zona leste paulistana. Temos muitas coisas em comum. Compartilhamos acontecimentos que nos atingem bem de perto e nos influenciam mais do que podemos imaginar. Essas coisas, consideradas em si mesmas, não são psicológicas. O que é psicológico é como elas são entendidas e sentidas na individualidade de cada pessoa e no conjunto das pessoas que formam nossa sociedade. As trocas de informações entre todos ajudam na formação de consensos. Por conta desses consensos, os acontecimentos vão tomando direções: ora no sentido de aumentar suas influências, ora no sentido de diminuí-las.

Psicológico, identidade pessoal, personalidade. Todos e cada um de nós temos uma personalidade. A partir desta base, nos construímos e nos direcionamos. O “nosso” psicológico faz com que nos identifiquemos em alguns aspectos, assemelhando-nos de alguma forma. Gostemos ou não, somos influenciados pelos mesmos condicionantes externos que nos envolvem. Trazemos em nossa mente imagens de pessoas que fazem parte de nosso cotidiano. Algumas destas ocupam posições de liderança, enquanto que outras vivem na condição de cidadãos comuns; porém, muitas vezes, bastante densas de significados, independentemente de umas aparecerem mais e outras menos. Cada uma, em sua maneira de ser e de agir, cumpre um papel importante. O nosso “pequeno mundo” não seria completo se qualquer uma dessas pessoas não existisse. Haveria um vazio, que precisaria ser completado.

O mesmo se pode dizer dos lugares. Estes, além de ocuparem o espaço físico de nossa geografia, também ocupam os espaços de nosso cérebro e de nossos sentimentos. Trazemos cada um deles como referências. Muitas de nossas histórias pessoais foram presenciadas por esses lugares. Eles são o nosso palco comum. O nosso pano de fundo.

Os sons e ruídos que vêm das ruas entram em nossas casas e penetram em nossos ouvidos e mentes. Familiarizamo-nos com vários deles: os dos carros das pamonhas, do afiador de facas e tesouras, do vendedor de produtos de limpeza e da voz inconfundível do Avelar-Som, além de outros. Respondemos, de alguma maneira, a todos esses estímulos. Interagimos, moldando-nos e sendo moldados por tudo o que se constitui como nosso: o nosso” psicológico.

Postado por José Morelli

O massacre de Suzano - sob que ótica interpretá-lo

Como se não bastassem as notícias de desastres que já nos haviam chegado desde que teve início o ano de 2019, nesta última quarta-feira recebemos as tristes notícias do massacre ocorrido na Escola Estadual Raul Brasil, localizada na vizinha cidade de Suzano: dois ex-alunos desferiram tiros e ataques com armas brancas sobre alunos e funcionários, deixando um saldo de dez mortos, incluindo os dois atiradores que, presumivelmente, se suicidaram.

As imagens transmitidas pela televisão e os testemunhos dos que, de forma mais próxima, vivenciaram a tragédia, sensibilizaram àqueles que, durante todo o dia, buscavam mais e mais informações a respeito do ocorrido e de seus desdobramentos. Não se tratava de uma simples ficção, mas de um acontecimento real. Ações violentas compõem o conteúdo de muitos filmes e vídeo games, que atraem o interesse de um significativo público consumidor, garantia de excelentes vendas. Nas ficções tudo o que é mostrado não passa de faz de conta. Por mais intensos que sejam os tiroteios, estes não destroem as vidas dos atores e atrizes. Nos próximos filmes eles voltam vivos novamente. Não fosse o exagero, até que esses produtos poderiam servir às pessoas como meio para extravasarem suas próprias frustrações ou instinto exacerbado de agressividade represada, à semelhança do que aconteceu com as barragens de Mariana e Brumadinho.

Vivemos num tempo em que as notícias do mundo inteiro nos chegam em tempo real. As informações, por mais que nos sirvam à elaboração de nossos entendimentos, ainda assim não deixam de representar sobrecargas mentais e emocionais. Isso exige que tenhamos uma personalidade bem estruturada. Correr atrás das notícias pode passar a ser um vício. Sentimos sede de consumi-las. Não aceitamos que fiquemos à margem do que acontece à nossa volta. Somos também cobrados pela sociedade de que não nos comportemos como alienados ou estejamos por fora do que acontece. Daí que vale o dito popular: “se parar o bicho pega, se correr o bicho come!” Tanta tecnologia, inclusive a de destruição, exige maturidade para que tenhamos uma boa convivência com a mesma. Uma arma na mão multiplica várias vezes o poder de destruição de um indivíduo. Poder este que exige maturidade, a fim de que se comporte com responsabilidade sobre os atos que pratica.

Que os acontecimentos obedeçam a desdobramentos naturais, esse é um fato que não pode ser ignorado. Nada acontece de repente como geração espontânea. Acontecimentos de grandes proporções resultam de pequenos gestos que, sem os quais o grande não aconteceria. Um dos entrevistados em Suzano assinalou que, mesmo sendo aquela escola referência no município, nela a ocorrência de assédios morais era frequente, provocando injustiças.

O apontamento de razões de ordem política, filosófica e mesmo ideológica não pode deixar de fazer parte dos motivos explicativos do massacre. A verdade é que uma laranja (realidade) pode ser apreciada a partir dos cortes que nela sejam feitos: de cima para baixo; nas transversais; nas diagonais e em outras direções. Cada um desses cortes é capaz de revelar aspectos diferenciados daquilo tudo que faz parte da realidade da laranja.

Pessoalmente, ao julgarmos qualquer acontecimento, fazemos emergir de nós mesmos aquilo que nossos interesses imediatos julgam que nos seja conveniente. Afirmamos, em nossos julgamentos, mais a respeito de nós mesmos do que daquilo que desejamos julgar. Daí que é urgente que sejamos cuidadosos para separarmos o que somos daquilo a respeito do qual nos pronunciamos.

Postado por José Morelli

O bairro e sua história

A história serve às pessoas. Os humanos, desde os tempos em que viviam nas cavernas, foram encontrando meios de registrar tudo aquilo que lhes parecia relevante. Não faltam pinturas chamadas de rupestres que comprovam esta afirmação. Por mais laboriosas que sejam as formigas ou as abelhas, elas nunca precisaram registrar a própria história, para se garantirem de continuar fazendo o que sempre fizeram. Em ambas o instinto herdado por natureza é suficiente. O campo de ação dos humanos tem sido muito mais vasto do que o de qualquer irracional. A história humana é o registro dos acontecimentos e dos significados que aos mesmos foram e são atribuídos, no decorrer do tempo e no momento presente. O historiador é como um fotógrafo que, com sua máquina, retrata as imagens que cabem no alcance de suas lentes.

Toda história possui uma linha de continuidade. Fatos do presente podem ser mais bem entendidos a partir do conhecimento de acontecimentos ocorridos no passado e, dos quais, estes decorrem como um desdobramento natural. A história é mestra da vida. O fato é, em si mesmo, algo a ser levado à sério. Contra ele, dizem, não há argumentos. Explicações para um mesmo fato podem ser muitas. Lições a serem tiradas de um mesmo acontecimento também podem ser muitas. A razão mesma de existirem tantas cabeças, não significa de que seja impossível se construir consensos a respeito de determinados porquês.

É uma pena que, no geral, as pessoas saibam tão pouco da própria história e da história dos lugares onde vivem. Por mais mestra que possa ser a história, ela não consegue trazer luz alguma sobre a inteligência de ninguém, se a ela as pessoas não voltarem suas atenções.

O entendimento da história presente exige certo esforço para ser conseguido. Sem dúvida, o mesmo se pode dizer com relação à história passada, à história de ontem, de nossos pais, avós e bisavós. Só se ocupar da luta pela sobrevivência no dia a dia sempre será insuficiente para proporcionar um juízo mais abrangente da realidade.

Nomes de certas ruas do bairro, uma ou outra árvore de grande porte que insiste em sobreviver aqui e ali, comemorações de efemérides relacionadas à história do bairro, prédios públicos ou privados que sobreviveram ao tempo, móveis e peças antigas conservadas, títulos chamativos de livros, estes e outros objetos e acontecimentos podem servir como sinais, como fios condutores. Tomando-os pelas pontas, podemos puxá-los. Na medida em que avançamos em nossa disposição de conhecer, penetramos nos fatos, desvendando-lhes sua importância e significado. Ampliamos nossa capacidade de ver e de entender a vida, no específico e no geral.

Postado por José Morelli

         

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2024

Novo... Novo!

É recomendável que o ano já iniciado e que está sendo vivido por todos nós, sobreviventes de 2009, seja entendido e sentido não como novo-velho, mas como novo-novo. Mesmo aquilo que se mantém constantemente assemelhado com o que já passou deve ser vivenciado de forma diferente, renovada, merecendo atenções em aspectos que ainda não haviam sido por nós percebidos. Das vivências que tivemos em anos passados, sempre alguma nova percepção foi sendo acrescentada, modificando-nos em nossas maneiras de pensar, de sentir e de lidar com os desafios de cada novo acontecimento que, certamente, nos deverá surpreender em 2010. Não aceitar que ocorram mudanças pessoais em nós é uma insensatez. Os pensamentos podem e devem se aprimorar e, juntamente com eles, as sensações e sentimentos que nos acostumamos a associar aos mesmos.  Com o passar dos anos, sempre alguma coisa boa devemos capitalizar em nossos desempenhos pessoais.

É verdade que os dias vão continuar tendo 24 horas, sucedendo-se em períodos noturnos e diurnos. Semanas, meses, as quatro estações irão perfazer suas trajetórias, carregando-nos em seus bojos, se é mesmo que elas tenham bojos ou algo parecido. As comemorações instituídas e que tanto ajudam ao comércio também continuarão a influenciar os comportamentos individuais e coletivos. Os juízos que fazemos da vida, a compreensão e o entendimento dos fatos são determinantes da força interior com que contamos nas interações que devemos estabelecer com eles. À semelhança dos frutos das árvores, amadurecemos. Para cada fase da vida construímos uma maturidade própria. Nosso medo não deve se transformar em obstáculos intransponíveis quando temos que nos confrontar com a realidade interna ou externa.

Evoluímos. O mundo evolui junto conosco e nós com ele. Precisamos de respostas novas para que ambos, nós e o mundo, consigamos encontrar as soluções de nossos problemas comuns. As relações humanas, a cada dia que passa, ganham maior complexidade. Somos cada vez mais interdependentes e sentimos essa interdependência quando nos chegam avalanches de informações das mais diversas partes do planeta, quase que em tempo real, através dos modernos meios de comunicação. De maneira consciente ou inconsciente nosso organismo não deixa de responder a esses verdadeiros choques de realidade.

Postado por José Morelli

 

 

  

 

 

Novas lideranças

Do imperador romano, Júlio Cesar, é atribuída a seguinte frase: “Prefiro ser o primeiro no comando de uma aldeia gaulesa, a ser o segundo no comando de Roma”. Todo líder se vê refletido no próprio papel que desenvolve, estimulando-se com o que observa em seu desempenho. Abastece-se, assim, de mais e mais inspiração, criatividade e, mesmo, de energia física.  

Zumbi foi o último dos líderes do Quilombo dos Palmares, o maior dos quilombos do período colonial. Entre o oferecimento do governador da capitania de Pernambuco (Pedro de Almeida) de conceder alforria a todos os quilombolas de Palmares, Zumbi foi contra, não admitindo que uns negros fossem libertos enquanto outros continuariam escravos. Palmares chegou a reunir mais de 30 mil habitantes entre escravos recém-libertos e fugidos.

Símbolo da resistência e luta contra a escravidão, Zumbi lutou pela liberdade de culto, religião e prática da cultura africana no Brasil Colonial. O dia de sua morte, 20 de novembro, é lembrado e comemorado em todo o território nacional como o Dia da Consciência Negra

Se uma instituição necessita de ter uma razão de continuidade, precisa abrir espaços de presença para que novos membros exerçam funções que lhes proporcionem envolvimento e responsabilidade. A tendência dos que, por se considerarem mais experientes, acham de que devem se perpetuar no poder e não o repassa a outros, impede a formação de novos líderes que possam garantir a continuidade e a evolução da instituição no presente e no futuro.

Dos grupos de congadas, moçambiques e outros, nascidos da religiosidade e da cultura popular, com influências portuguesa, africana e indígena, chamam à atenção as presenças de crianças e jovens como seus integrantes. Em cidades do estado de Minas Gerais, como acontece em Divinópolis, existem grupos, cujos componentes são apenas jovens, tanto do sexo masculino como do feminino. Esse espaço que é aberto aos jovens, permite o surgimento de jovens líderes, que assimilam os valores subjacentes às manifestações de musicalidade e de dança, bem como das razões místicas profundas que as motivam.

Postado por José Morelli

Nossos fotógrafos

A reprodução das imagens, através da pintura, tem se desenvolvido na história da humanidade de maneira surpreendente desde os primitivos rupestres, passando pelos clássicos que conseguiram produzir obras incríveis de perfeição, até a chegada dos modernos tão afinados com suas contemporaneidades. Felizmente, museus e colecionadores preservaram alguns desses trabalhos, possibilitando-nos de poder admirá-los ainda em nossos dias. 

A arte da fotografia, por sua vez, também reproduz imagens. Ajudados pela tecnologia, os fotógrafos aprimoram seus olhares e, com isso, conseguem perpetuar momentos únicos e especiais, congelando-os no tempo. Desta forma, os fotógrafos (profissionais ou amadores) dão sua valiosa contribuição para que nos sensibilizemos para tudo o que existe e acontece à nossa volta.

Os fotógrafos não criam o que fotografam. Cabe a eles a observação que pode demandar tempo de pesquisa ou pode funcionar de forma instantânea e intuitiva, até mesmo porque não lhe é dado tempo de esperar. É naquele instante que aquilo está acontecendo e não haverá outra oportunidade para reproduzi-lo. Quantas fotografias se constituem como importantes documentos, plenos de informações e de inspirações!...

Nestes últimos anos, a Penha e alguns eventos que têm acontecido no bairro foram contemplados com o carinho e desvelo de alguns fotógrafos, iniciantes ou já tarimbados com largas experiências.  O olhar e a sensibilidade deles, têm resultado excelentes trabalhos fotográficos, reproduzindo ângulos de visão que somente olhares mais acurados é capaz de reconhecê-los.

Mérito indiscutível nesse processo deve ser atribuído ao Francisco Folco e aos cursos de fotografia que o Memorial Penha de França tem promovido, junto àqueles que desejam ter iniciação e/ou aprimoramento nessa técnica e arte. O efeito multiplicador de todo esse trabalho, provavelmente, levará a lugares e a situações que não nos é possível imaginar. Acredito que, pelo bem que esse ensino carrega em seu bojo, serão os melhores e mais promissores.

Postado por José Morelli

Nossas ruas

Percorrendo as ruas de nosso bairro, exercemos nosso direito constitucional de ir e de vir. O nome de cada uma dessas ruas é necessário para que as identifiquemos, distinguindo-as umas das outras. Tal identificação permite que tracemos roteiros que nos possibilitam chegar aos destinos que almejamos.  A escolha dos nomes das ruas e avenidas pode atender a vários objetivos. Um desses objetivos é o de servir à memória de personalidades importantes, que marcaram a vida e a história deste nosso chão bendito.

Para quem, vindo da cidade pela Avenida Celso Garcia, passando debaixo do pontilha do trem, logo pode visualizar, à direita, a placa indicativa do início da Rua Guaiaúna (nome também dado ao córrego). Em tupi-guarani, essa palavra significa “caranguejo preto”. Um pouco mais acima, ainda à direita, pode ver a placa indicativa do início da Rua General Sócrates, homenagem feita ao General Artur Eduardo Sócrates, que foi o comandante das tropas legalistas, na revolução de 1924, tropas essas que ficaram sediadas aqui em nosso bairro.

Para atingir a parte mais alta da colina há duas opções: seguir direto pela Rua Coronel Rodovalho ou entrar pela bifurcação da Rua Comendador Cantinho. O primeiro nome é o do Coronel Antonio Proost Rodovalho (1838-1913). Entre outros feitos, ele foi o administrador das obras da estrada de ferro São Paulo-Rio. Por influência dele, a Penha pode contar com um ramal de trem que, na segunda metade do século XIX, facilitou o trânsito de pessoas que vinham ao bairro ou saíam dele com destino ao centro da cidade. No alto da ladeira, se encontra a Praça Nossa Senhora da Penha com a Antiga Matriz da Penha. O segundo nome é o do Comendador Gabriel Marques Cantinho, que foi um chefe político de grande prestígio em São Paulo, ainda no tempo do Império. A rua que leva o seu nome termina na Praça Oito de Setembro, data em que, tradicionalmente, é comemorada a festa da Penha.

Seguindo à direita da Antiga Matriz (hoje chamada de Santuário Eucarístico de Nossa Senhora da Penha), logo à frente, a placa indicativa traz o nome de Rua Doutor João Ribeiro, que também foi um político considerado de grande integridade e que foi morador do bairro por longos anos. O nome indicativo da rua que se inicia à direita de quem segue na direção de São Miguel é uma homenagem a Ângelo Zanchi, chefe político no bairro e que ocupava o posto de major da antiga Guarda Nacional. Passando o Shopping Penha, à esquerda, o visitante ou morador visualiza a placa com o nome de Rua Padre Antonio Benedito (de Camargo). Este padre ocupou o múnus de vigário da Paróquia por mais de 55 anos, antes da chegada dos Redentoristas no bairro, no ano de 1905. O centro da Penha é definido pela Rua Padre João. O nome completo deste redentorista era Padre João Batista Schaumberger, natural da cidade de Schwandorf, na Alemanha, e que foi barbaramente assassinado no dia 31 de março de 1908.

Postado por José Morelli

 

 

 

Nossa São Paulo

Foi em 25 de janeiro de 1554 que os padres Manuel da Nóbrega e José de Anchieta deram início ao Colégio dos jesuítas, ao redor do qual foi se desenvolvendo o povoado de São Paulo de Piratininga. A história desse lugar tem uma linha de continuidade, um desdobramento. Dentro de uma determinada lógica, a cidade foi se expandindo, somando-se a outros povoados vizinhos e compondo-se em uma unidade. Hoje, são numerosos os bairros ao norte e ao sul, a leste e a oeste da primitiva área onde a cidade teve seu começo.

Os acontecimentos que compõem a história da capital paulistana propiciaram a formação e o engrandecimento de todo o município. A contribuição de cada parte, pelo que cada uma delas teve a contribuir, foi o que permitiu São Paulo se tornar esta imensa metrópole, a maior da América Latina.  Mesmo que cada bairro de São Paulo possa ter sua própria história, isso não significa que os bairros não compartilhem da história da cidade em seu todo. São histórias que se entrelaçam, formando uma única história interdependente.

O bairro da Penha de França serve como significativo exemplo desse entrelaçamento. Não tanto pela ação formal de suas lideranças governamentais ou religiosas, mas pela influência vinda de baixo para cima, isto é, da vontade popular que foi se impondo junto aos poderes constituídos. A Penha ganhou importância para toda a cidade, principalmente pelo fato de Nossa Senhora da Penha ter sido entendida pelos paulistanos como protetora da cidade sempre que ela era atormentada por alguma catástrofe, quer fosse provocada por secas prolongadas, quer fosse provocada por alguma peste que dizimava a população. Dois movimentos se observaram: o da ida, em procissão, da imagem de Nossa Senhora da Penha para a Sé catedral, onde o povo de toda a cidade e as autoridades promoviam orações especiais em favor da cidade ou o da vinda dos paulistanos para a Penha, por ocasião das festas anuais que tradicionalmente aconteciam em oito de setembro. O afluxo de romeiros foi responsável pela chegada do trem, através de um ramal que, saindo da linha tronco da Central do Brasil, vinha até a Estação Penha, localizada próximo da ladeira Coronel Rodovalho. O mesmo motivo foi o que promoveu a substituição do trem pelo bonde, nos primeiros anos do século passado.

A construção da metrópole paulistana se deveu a inúmeros fatores. As condições materiais se somaram ao espírito aguerrido dos paulistanos e de tantos que para aqui vieram. Todo esse patrimônio em que se constitui a cidade é obra da população e de suas lideranças.

É de justiça que a festa da cidade seja uma festa de todos. Também é da expectativa de toda a cidade, desde os seus pontos centrais, até os mais periféricos que os benefícios de uma economia tão pujante, sejam capazes de levar bem estar e progresso a todos aqueles e aquelas que aqui, nesta cidade, escolheram permanecer e se desenvolver.

Postado por José Morelli

Nossa pré-história

Poucos falam a seu respeito, o que não significa que ela não tenha existido ou acontecido efetivamente. A escrita das palavras, é verdade, chegou-nos com os portugueses em mil e quinhentos. No entanto, os indígenas brasileiros nos deixaram registros de suas passagens, através da cultura com que formatavam seu modus vivendi, dos sons emitidos na linguagem com que se comunicavam, nos nomes que davam aos lugares e aos objetos que utilizavam e em tudo o que faziam: ao caçar; ao pescar; ao plantar suas roças; ao construir as ocas que lhes serviam de moradia; ao esculpir, dos troncos das árvores, as canoas que os transportavam pelos rios e ribeirões da região; ao realizar os rituais e danças que animavam e davam sentido às suas vidas.

Em janeiro de 2004, a folha de São Paulo publicou matéria sobre o encontro de objetos indígenas no centro da Penha. Arqueólogos da Prefeitura de São Paulo coletaram esse material para estudos e elucidação de nossa pré-história. Enquanto a arqueologia vai aprofundando suas pesquisas, nós, comuns mortais, vamos convivendo com nomes de alguns de nossos logradouros, que nos remetem àqueles povos indígenas, antecessores de importante parcela de nossa população, nossa conterrânea e contemporânea.

Campos de Ururaí era o nome dado às terras que iam desde a Penha até São Miguel Paulista. Com esse mesmo nome, também, era chamada a tribo da Confederação dos Guaianás, que teve como um de seus principais chefes o cacique Piquerobí. Anhembi era o nome com que os indígenas chamavam o nosso Rio Grande ou Rio Tietê. Segundo o Dicionário de Palavras Brasileiras de Origem Indígena, de Clovis Chiaradia, o significado atribuído ao vocábulo Anhembi é o de rio das perdizes. Aricanduva tem o sentido de lugar em que são encontradas palmeiras da variedade airy. Irapucará é o mesmo que abelha ruidosa ou sobrancelhas. Umbó é um vocábulo indígena do Amazonas cujo significado é intestinos. Paracanã é o nome de um grupo indígena do Pará. Guaiaúna é o mesmo que caranguejo pretoTuapé é, também, um vocábulo indígena do Amazonas e significa céu. Aracati tem o sentido de vento da maresia ou ar impregnado de mau cheiro.

Como sabemos, alguns desses nomes são de ruas, outros de ribeirões de nossa região e  adjacências. Alguns deles se encontram, em parte, canalizados e já não podem ser vistos e reconhecidos, em todos os lugares por onde se localizam ou perfazem seus percursos.

Postado por José Morelli 

Nó em pingo d'água

Nem as mais férteis das imaginações não conseguem explicar como “dar nó em pingo d’água”. No entanto, é comum ouvirmos pessoas utilizarem-se desta expressão, quando descrevem situações por que passaram ou estão passando. A sobrevivência de uma família, cuja renda é de apenas um salário mínimo por mês, pode muito bem ser expressa dessa forma. Viver com tão pouco é como desafiar a lei da natureza. O pingo d’água, em sua forma líquida, não é passível de ser manipulado, a ponto de receber o formato de um nó. Só mesmo como fantasia idealizada isso seria possível. Quanto ao salário mínimo, mesmo com a valorização que teve nesses últimos anos, ainda não cumprem seu papel de suprir as necessidades de uma família por menor que seja. Só a insensibilidade de quem nunca passou por dificuldades é que não entende esse óbvio.

Superar dificuldades quase que insuperáveis: este é o sentido desta expressão do nosso idioma. De várias maneiras pode-se chegar a tal feito. Fundamental é de que o agente desta proeza tenha muita determinação e força de vontade. É preciso também que tenha bastante Inteligência e criatividade, quer na escolha dos meios que utiliza, quer na maneira como dispõe deles. O mérito é de quem não foge dos problemas e enfrenta seus desafios até suplantá-los completamente.

A expressão fala de uma sensação. Quem diz: “dei nó em pingo d’água”, manifesta-se em seus sentimentos. Pode sentir-se capaz, mágico, herói. Pode querer chamar a atenção dos outros sobre seu esforço e sua capacidade. Pode, ainda, querer reclamar pela falta de colaboração, de apoio ou de reconhecimento. 

Resistir às frustrações, suportar opressão e descaso são capacidades humanas que exigem muita força interior. Reivindicar, fazer-se respeitar, cobrar das autoridades constituídas e do sistema são, também, qualidades a serem praticadas por quem se reconhece capaz e merecedor de respeito da própria dignidade humana.

A cidadania pede que a coragem e a criatividade, na busca do bem, sejam praticadas também de maneira coletiva. Não apenas individual ou familiarmente precisamos “dar nós em pingos d’água”. Pensando de forma mais ampla, precisamos ser fortes e criativos para enfrentar nossos problemas comuns, problemas que nos atingem como sociedade. Não é justo que desperdicemos, jogando no lixo, tais capacidades!

Postado por José Morelli

Napoleão Bonaparte

De tudo o que temos ouvido a respeito da vinda da família real portuguesa para o Brasil, no ano de 1808, das mudanças que esse fato trouxe para o nosso país, não é difícil concluir que o Brasil deve muito de seu desenvolvimento, como nação, a Napoleão Bonaparte, um bom exemplo de como, efetivamente, Deus pode escrever certo através de linhas tortas. Tendo sido descoberto em 1500, durante os 300 anos que se seguiram, as terras brasileiras se mantiveram totalmente a serviço da coroa portuguesa, sendo apenas explorada ao máximo em seus recursos e deixada à margem do progresso e do enriquecimento como acontecia e era permitido a várias outras nações. Por isso, a conclusão a que podemos chegar é de que o Brasil tem apenas 200 anos de existência e precisa compensar o tempo perdido em tantos anos de subserviência, imposta com mão de ferro por aqueles que o mantiveram como colônia.

Daqui saíram o pau-brasil, o ouro, pedras preciosas, a cana de açúcar e tudo o que havia de melhor. Pouco ou nenhum investimento era feito em benfeitorias que possibilitassem um aprimoramento de instituições que lhe proporcionassem uma melhor qualidade de vida e de trabalho àqueles que aqui viviam. Quem quisesse fazer algum estudo mais avançado deveria cursá-lo em alguma universidade européia. Só com a vinda de Dom João VI é que foi criado aqui o Banco do Brasil, a primeira faculdade de medicina e foi permitida a abertura dos portos para o comércio com outros países.

O Brasil costuma ser bastante criticado por muitos. Os meios de comunicação dão preferência às notícias negativas a seu respeito. As pessoas, em geral, descarregam suas frustrações, elegendo como bode expiatório o Brasil, os políticos e os próprios brasileiros. O sentimento positivo de brasilidade só funciona em alguns momentos especiais e relacionados a fatos isolados.

Revendo a história, no entanto, é possível perceber que não é justo não reconhecer que o Brasil tem precisado compensar grandes atrasos em seu desenvolvimento. A compreensão deste fato contribui para que formemos um conceito mais justo e nos devolva um sentimento de maior auto-estima e saúde emocional por conta de nossa condição de brasileiros e de brasileiras.

Postado por José Morelli

 

Nariz

O que, no nariz, é físico e o que psicológico?... Físico é a sua constituição material, composta de ossos, pele, veias. Psicológico é o significado ou significados que a mente lhe atribui. Por conta desses significados, ideias são formuladas, as pessoas se comunicam e se entendem em suas comunicações.

É o nariz o órgão do olfato. Uma sensibilidade muito especial capaz de denunciar situações e presenças importantes, até mesmo para a sobrevivência das pessoas. Um alimento estragado, muitas vezes, é denunciado pelo odor que exala. O nariz é um ponto avançado do rosto. Por isso, é ele que chega primeiro aos lugares, antes que as outras partes cheguem. Bisbilhoteiro é aquele que fuça em toda parte, colocando o nariz onde não é chamado.

O nariz ocupa o centro do rosto. É saliente. É comum atribuir-lhe um sentido erótico, fálico. Pode existir uma correlação entre as maneiras como funciona o nariz e o desempenho sexual de um indivíduo. O nariz se comunica com o meio ambiente, sugando o ar que está à volta e lançando-o para fora. Trata-se de um relacionamento, de uma interação. Nem todo ar aspirado é bem aceito pelas narinas. Alguns causam alergia, fazem as mucosas internas incharem e até mesmo se inflamarem.

Subjacentes a esses sintomas, podem existir ideias comprometedoras quer quanto à própria capacidade de enfrentar dificuldades, vindas de fora, como quanto aos perigos incontroláveis existentes nos ambientes externos. Essas dificuldades manifestadas no processo respiratório podem se correlacionar com dificuldades nos relacionamentos interpessoais, falta de autoconfiança, medo quanto aos riscos que o outro representa.

Pela posição proeminente que ocupa, o nariz chama a atenção mais do que outras partes. A estética que apresenta tem grande interferência na autoestima. Há pessoas que se sentem com complexo por não gostarem da forma anatômica do próprio nariz. Cirurgias plásticas podem ajudar nesses casos. Aprender a lidar bem com a realidade também é outra forma de conviver harmoniosamente com ela, sem conflitos, um princípio que vale para este caso e muitos outros na vida de qualquer pessoa.

Postado por José Morelli

Narciso

A lenda de Narciso conta de um jovem, que nunca tinha visto seu próprio rosto. Um dia, indo tomar água, viu sua imagem refletida, como num espelho, nas águas cristalinas de um lago. Ficou tão impressionado com sua beleza, que enamorou-se de si mesmo. Não querendo mais deixar de contemplar-se, permaneceu ali, olhando-se sem parar... Acabou caindo na água e afogou-se. Foi transformado, então, numa flor, que passou a ser chamada com seu nome: Flor de Narciso. Narcisismo é a tendência da pessoa de enamorar-se de seu próprio eu. O narcisista não para de olhar para si, nem de pensar e de falar de si.

Narciso foi atraído por sua beleza física. Outras qualidades que não a da beleza corporal, podem atrair o narcisista, fascinando-o e absorvendo-o em suas atenções. Quando a tendência narcísica é tão intensa, que a pessoa se torna incapaz de prestar atenção nos outros, mantendo-se exclusivamente voltada para si, aquilo que é uma qualidade passa a se constituir em um defeito perigoso, capaz de prejudicá-la em seu  desenvolvimento e expansão.

Todos, sem exceção, trazemos em nós uma certa dose de narcisismo. É interessante observar como esta nossa característica narcísica se manifesta em muitas de nossas conversas, principalmente, naquelas em que, por algum motivo, competimos com outras pessoas. A preocupação de aparecer mais do que o outro, dificulta prestar atenção no outro e no que ele diz. Enquanto o outro fala,  ficamos  preparando o que vamos falar depois. O diálogo vira monólogo. Terminada a conversa, vamos os dois embora, sem termos conseguido acrescentar nada àquilo que já sabíamos.

O jovem Narciso foi transformado numa flor. Por mais bonita que seja, uma flor não passa de uma simples flor, um vegetal. A libido, o desejo, desde que capaz de voltar-se para o ego do outro e não só para o próprio ego, amplia-se somando-se e multiplicando-se em seus relacionamentos. Foi o que não aconteceu com Narciso e é o que não acontece com os narcisistas. A qualidade transforma-se na razão de ser do fechamento, num círculo estreito de uma vida que não consegue ser mais do que restringida  em si mesma, vegetativa apenas.

Postado por José Morelli

 

 

 

"Nó" conceitual

“Quem não distingue, confunde e, quem confunde, erra”. Desconheço o autor dessa frase, que ouvi muitas vezes repetida, nos tempos em que cursava filosofia. Dizia respeito às idéias e aos conceitos. Quando estes não são claros nem precisos, em seus significados, não garantem que, deles, se possam tirar conclusões acertadas; muito pelo contrário, geram mais confusão e erro. Os conceitos, como matéria prima da comunicação, precisam de sentidos bem definidos. A reunião deles, em frases completas, permite que estas, pelo sim ou pelo não, cheguem a alguma conclusão quanto aos problemas que precisam de solução.

Nó conceitual é quando as palavras, ao se juntarem, não sendo bem entendidas em seus significados, dificultam a boa compreensão dos assuntos, provocando uma confusão nos pensamentos, semelhante à de um emaranhado de lã. Ao tentar desmancha-lo, é comum que se produzam nós. Com uma boa visão e percepção dos fios, juntadas a uma boa dose de paciência e unhas capazes de puxá-los um a um, é que, pouco a pouco, os nós do emaranhado vão podendo ser desfeitos.

O emaranhado de lã serve como comparação. Semelhante ao procedimento adotado para desfazê-lo é o de clarificar os conceitos, a fim de deixá-los mais bem definidos e distintos uns dos outros. Só assim eles passam a ser instrumentos capazes para ajudar na solução dos problemas de entendimentos, de acordo com alguma lógica de compreensão.

Por outro lado, é também verdade que não são todos os problemas que se resolvem com o uso puro e simples da razão e da lógica. Problemas que envolvem emoções necessitam do concurso de outras capacidades humanas, a fim de que sejam solucionados. Racionalizar pode ser uma forma de negar ou de fugir dos problemas. Desmanchar os nós conceituais, no entanto, procurando distinguir bem cada aspecto que envolve as situações, pode ser um caminho que ajuda no reconhecimento do ser total da pessoa, incluindo a manifestação de suas emoções.   

As razões do coração ou do afeto não podem ser esquecidas ou deixadas de lado. Sabendo temperar a razão lógica com a sensibilidade é possível se encontrar um maior equilíbrio e amplitude nas buscas de solução dos desafios nas vivências do dia a dia.

Postado por José Morelli

"Não tem preço!"

As boas ou más línguas dizem que todo homem tem o seu preço insinuando assim que, dependendo do valor oferecido, mesmo o mais íntegro dentre os humanos não resistiria à tentação de se vender em sua própria consciência. Quanto ao amor verdadeiro, desinteressado de qualquer outro bem senão o da pessoa amada, este também seria algo que não existiria dinheiro no mundo que o pudesse pagar. Quanto dinheiro seria necessário para se pagar pela compra de um Sol, de uma Lua, do ar que circunda a Terra, das águas salgadas dos oceanos ou das águas doces dos rios? – O que não existe dinheiro com que se possa pagar, não tem preço.

A generosidade de quem doa sangue para um doente que dele está necessitando de imediato, a fim de que possa continuar vivo, é uma atitude que absolutamente não tem dinheiro que pague. A urgência da necessidade, num dado momento, é o que permite de se avaliar a importância de uma determinada decisão e tomada de atitude. O dinheiro não é o único padrão de valor no estabelecimento das trocas entre as pessoas. A oportunidade de atendimento de uma determinada necessidade pode ser única. Se

Desde o momento em que os seres humanos passaram a dividir com a natureza o espaço do planeta Terra, esta tem sido pródiga em lhes proporcionar as condições indispensáveis para que evoluam e se aprimorem em suas capacidades. Estamos vivendo um momento particularmente importante da vida do mundo e da humanidade, um momento que parece estar exigindo mudanças nos entendimentos e na adoção de novos paradigmas a serem seguidos.

Sempre existiram coisas que o dinheiro não conseguiu pagar. O poder do dinheiro, porém, tem se tornado cada vez mais determinante. Ele deixou de ser apenas meio e se transformou em fim. É ele que financia todas as aventuras e desventuras individuais e coletivas.

Todos têm sido chamados para financiar o desenvolvimento. Todos têm que pagar pelos avanços tecnológicos, ainda que nem todos consigam utilizá-los. Os investimentos contemplam mais umas áreas que outras. Para o que tem mercado a produção é maior. Para o que não tem mercado ou dinheiro que possa pagar, a produção é menor ou nenhuma.

Postado por José Morelli

  

 

terça-feira, 20 de fevereiro de 2024

Meu cérebro

Ele se encontra protegido dentro de meu crânio. Há quem o chame de “massa cinzenta”, em vista da coloração que possui. Com minhas mãos, posso tocar minha cabeça sentindo-a nas vibrações que dela se desprendem. Meu cérebro se divide em duas partes: a da direita e a da esquerda. A da direita comanda os movimentos da parte esquerda do meu corpo e a da esquerda comanda os movimentos da parte direita do mesmo. Dependendo do conceito que tenho de meu cérebro, da idéia com que o formulo em meu pensamento, ele será mais ou menos valorizado por mim, o que se refletirá diretamente em tudo o que faço ou deixo de fazer. Se o considero com força ele será forte, se o considero fraco ele tenderá a sê-lo. Se o entendo inteligente, não estarei colocando obstáculo para que o seja de fato. Se, pelo contrário, o entendo “burro”, este meu juízo o influenciará para que o seja assim. Faço disso uma verdade. Se, em minha fase de formação, em minha infância ou adolescência, meus pais ou professores, viviam me chamando de “burro”, talvez eu, hoje, tenha que fazer um grande esforço para que me descondicione dessa influência negativa, provando a mim mesmo e àqueles que assim me julgaram que se enganaram redondamente em seus juízos a meu respeito.

A meu cérebro é atribuída minha racionalidade. É através dele, que construo meus raciocínios, tirando conclusões, unindo ou separando os possíveis entendimentos das coisas. Meu cérebro guarda as informações que chegam através de meus olhos, de meus ouvidos e dos demais sentidos. A partir das observações que a vida vai permitindo que eu faça, meu cérebro aprende a entender as coisas, obedecendo a algumas ordens nos pensamentos. Meu cérebro constrói lógicas para meus raciocínios e julgamentos. Meu cérebro trabalha constantemente, dia e noite. Os sonhos são produtos dele, sendo que alguns ajudam na elaboração de questões que ficaram mal-resolvidas e que precisam ser solucionadas. Existe uma interligação entre meu corpo e meu cérebro. Um funciona com o auxílio do outro. Ambos formam uma unidade indissociável. Meu cérebro abriga minha mente. Cérebro parece compreender mais a parte material, física, fisiológica de todo o aparato mental. Mente já parece compreender um aspecto menos material e tangível, referindo-se e confundindo-se com o produto que são as idéias, as fantasias, as recordações ou lembranças, os sentimentos ou sensações, as inspirações ou criatividades... aí já entram manifestações artísticas que tanto sensibilizam as pessoas, influenciando-as umas às outras, motivando-as e entusiasmando-as em seu existir.

Postado por José Morelli

Meu bairro

Para ele vieram meus pais antes de se conhecerem. Foi nele que as circunstâncias propiciaram que eles se encontrassem e passassem a se interessar um pelo outro. Na circunscrição de seus limites, num determinado momento histórico, foi que eles namoraram se casaram e tiveram filhos. A casa em que vieram a morar se localizava em uma conhecida rua dessa localidade. Foi nessa casa que eu e meus irmãos nascemos.

Na certidão de meu nascimento, emitida pelo cartório civil do subdistrito (ou bairro) em que fui certificado, constam minha nacionalidade, o município e comarca de nascimento e o Estado (ou unidade) da Federação. Além do lugar, consta ainda o dia do mês e o ano bem como a hora em que aportei junto aos meus. Os nomes de meus pais e de meus avós paternos e maternos também constam ali devidamente registrados.

Fui identificado juntamente com o lugar em que nasci. Ele e eu guardamos identidades comuns no tempo e no espaço. Pode não parecer, mas o reconhecimento público de que a existência de cada um de nós passou a ser oficialmente considerada a partir de um determinado lugar, num determinado tempo e a partir de um casal com seus respectivos pais se constituem como início oficial de uma personalidade, seja a minha ou a sua.

Mesmo que, no decorrer da vida, outra ou outras cidadanias sejam reconhecidas, ainda a primeira é a base de possibilidade de que outras possam existir, sem esta nenhum outro documento pode ser produzido.

Postado por José Morelli

Meandros

São aquelas partes que formam o meio (o centro) e apresentam volteios em suas formas. Normalmente, imaginamos os meandros, formando um emaranhado, tipo labirinto, difícil de ser transposto ou decifrado. Ao observá-los, nossa vista se confunde, não conseguindo distinguir as direções e continuidades dos caminhos. Para encontrá-las é preciso acompanhar, atentamente, cada um deles, através de sucessivas tentativas, de acerto ou de erro,  descobrindo assim orientações seguras que levem a avanços nas descobertas.

Também temos meandros em nosso psiquismo. Para buscarmos um autoconhecimento, debruçando-nos sobre nossos meandros, é preciso que tenhamos uma motivação bastante forte e convincente do que estamos nos propondo. A busca de um alívio para a dor ou para o sofrimento, que seja de uma angústia, de um medo exagerado ou de um estado de confusão mental, se constituem como fortes estímulos para enfrentarmo-nos em alguns de nossos mais íntimos segredos.

À semelhança das estrelas, possuímos luz própria. Temos um brilho, através do qual nos afirmamos em nossa personalidade. Onde queremos fazer brilhar essa nossa luz?... Para quem desejamos fazer com que essa mesma luz não sofra ofuscamento?...

As respostas a estas perguntas podem ser encontradas nos meandros de nossos processos mentais/emocionais. Ocorre, muitas vezes, de pensarmos em uma determinada pessoa, quando fazemos algo que consideramos positivo. Gostaríamos que essa mesma pessoa nos visse nesse momento, nos reconhecesse e admirasse. Se, ao contrário, fazemos algo que nos é representado como diminuindo nossa importância, nosso desejo é de não sermos vistos por quem atribuímos o papel de consciência (superego), diante de quem desejaríamos que guardasse a nosso respeito apenas imagens boas e positivas.

Simplicidade e complexidade se misturam, dando aos nossos processos mentais a forma de emaranhados, em que o uso de atalhos não resolve. Somos desafiados a elucidar nossas verdades e mentiras entre imbróglios e contradições.

Da mesma forma, são desafiados também aqueles profissionais que se propõem a ajudar aos que necessitam penetrar nos próprios meandros mentais/emocionais, definindo suas condições de saúde ou de doença, de felicidade ou de infelicidade.  

Postado por José Morelli