sábado, 24 de agosto de 2024

"Onde sopram todos os ventos"

Este era o motivo, segundo depoimento do antigo pároco da Penha, Padre António Benedito de Camargo, de a então Freguesia da Penha de França, ser freqüentemente procurada por tantas pessoas adoecidas, que aqui vinham em busca de bons ares que a curassem de suas enfermidades. Ventos capazes de promover, tanto a saúde do corpo como a saúde do espírito.

Bafejados por tais ventos, os negros que nas imediações viviam, constituídos como membros de uma irmandade, no ano de 1802, solicitaram do bispo autorização para construírem uma igreja, dedicada a Nossa Senhora do Rosário, um lugar onde pudessem praticar suas devoções, além de enterrar dignamente seus mortos, o que os faria se sentirem um pouco menos segregados pela comunidade.

Voltando no tempo, aos primórdios do cristianismo, percebemos que este, nos seus três primeiros séculos de existência, sofreu grandes perseguições da parte dos imperadores romanos. Na arena do Coliseu, os mesmos ofereciam ao povo pão e circo, espetáculos de atrocidades nos quais milhares de cristãos eram jogados para serem devorados por tigres e leões. Depois veio o período, inaugurado pelo Imperador Constantino, em que o cristianismo passou a ser religião oficial do Império Romano. A Igreja Católica se desenvolveu e se expandiu em todas as direções e até aos extremos mais longínquos. Com a descoberta da bússola e o aprimoramento das embarcações vieram os grandes descobrimentos e a ampliação dos comércios. A invenção da imprensa, o protestantismo, e a disseminação das idéias liberais fizeram com que a sociedade fosse se tornando cada vez mais ciosa de seus direitos de liberdade de expressão religiosa. Mais tarde, Garibaldi promoveu a unificação da Itália e a Igreja perdeu os Estados Pontifícios. O Papa convocou o Concílio Vaticano I para poder tomar pé da situação e garantir à Igreja os meios de manter-se em condições de garantir-se em sua sustentabilidade. A instituição das Irmandades dava aos leigos poder sobre as igrejas por elas construídas e administradas. Associações religiosas “modernas” surgiram, estruturadas de maneira a servirem melhor aos objetivos de centralizar o poder nas mãos do clero.

No Brasil, o número de padres seculares era pequeno. Poucos eram também os sacerdotes religiosos, uma vez que, tanto em Portugal como no Brasil, o número destes havia diminuído muito por conta das proibições impostas por Pombal. Nesse contexto, vieram da Holanda e da Alemanha missionários redentoristas para assumirem a evangelização em vários estados brasileiros. O objetivo deles era, também, de retirar o poder que as irmandades tinham sobre as igrejas por elas construídas e administradas.

Trazidos por esses ventos, os redentoristas chegaram à Penha no ano de 1.905. O vigário Padre Antonio Benedito já era bastante idoso. Foi ele que deu posse ao novo pároco. Uma equipe de padres o auxiliava no atendimento da paróquia, que naquela época se estendia até Mogi das Cruzes. Iniciaram suas obras com fervor missionário. Logo os frutos de todo esse empenho começaram a aparecer. Em 20 de Julho de 1.909, a Velha Matriz foi elevada à condição de Santuário Mariano. Com o aumento do número de fiéis que vinham à Penha de todos os cantos da cidade, era urgente que a Igreja passasse por uma profunda reforma e ampliação. Como primeiro passo, os padres redentoristas iniciaram uma reforma com ampliação na Igreja do Rosário, para que esta pudesse substituir a matriz, enquanto fosse reformada.

Quando chegou o ano de 1934 e foi iniciada a reforma do Santuário, os padres redentoristas precisavam reorganizar o uso da Igreja do Rosário. A paróquia já possuía várias associações religiosas para leigos. Não sabemos como a Irmandade dos Homens Pretos se encontrava naqueles tempos. O fato é que, a pedido do vigário na época, Padre Oscar Chagas Azeredo, que era um dos primeiros redentoristas brasileiro, foi feita solicitação ao arcebispo metropolitano Dom Duarte Leopoldo e Silva para que autorizasse a fundação e ereção canônica da Irmandade de São Benedito em forma de Associação, de acordo com os estatutos que deviam ser por ele aprovados.

Uma leitura um pouco mais atenta desses estatutos revela a forma ardilosa como foram tratados os membros da Antiga Irmandade dos Homens Pretos da Penha de França. O primeiro ponto a observar é o fato de a Associação ter sido instalada na Matriz de Nossa Senhora da Penha e não na Igreja do Rosário. Com isso, foi ignorado de que os negros já tinham essa Igreja e não precisavam de outra. O Regulamento não leva em consideração a importância de Nossa Senhora do Rosário e de sua história junto aos negros, desde os tempos em que se encontravam na África.  Mais adiante, o texto dá a entender que uma Igreja dedicada a São Benedito seria construída para a nova Irmandade-Associação, coisa que nunca veio a acontecer até os dias de hoje. “Enquanto não se construir a igreja de São Benedito, a sede da Associação será a Igreja do Rosário, nas horas não tomadas por outras associações de combinação com o Vigário” (pág. 5). Essa afirmação mostra que a Igreja de Nossa Senhora do Rosário já não era mais considerada como pertencente à Irmandade dos Negros. O Estatuto autoriza apenas que seja feita anualmente uma festa em honra de São Benedito. Mais uma vez, Nossa Senhora do Rosário é deixada à parte. No Cap. 4º, que trata dos Direitos dos Associados. o Art. 17 diz: “Todo associado falecido tem o direito a três missas que, por conta da Associação, serão mandadas celebrar para sufragar a sua alma. Essas missas serão de 7º. Dia, mês e ano”. Porém, no versículo 2º. Vem a ressalva: “Enquanto o estado financeiro da Associação não for desafogado, o associado só tem direito a uma missa após o falecimento”.

 Os ventos vêm e vão. A Irmandade de São Benedito teve seu espaço durante trinta/quarenta anos. Nunca pode gozar de todo prestígio que merecia. A Igreja sempre se manteve na condição de Capela, subordinada à Matriz de Nossa Senhora da Penha. Se as festas em honra do padroeiro conseguiam seu espaço de realização era por conta de algumas pessoas que, com grande devoção, as organizava anualmente. Em 1946 a festa foi comemorada no dia 26 de julho.

A chama acesa foi atingida por novos ventos. A impressão que se deu foi de que ela tinha sido totalmente apagada. Mas, não foi o que exatamente acontecera. O futuro reservava a chegada de ventos mais promissores do nunca. O elo quebrado voltaria a se reconstituir.  

Postado por José Morelli

 

 

  

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