sábado, 9 de dezembro de 2023

Mendigar afeto

 Há quem mendigue esmola e essa é a forma mais apropriada para o uso do verbo mendigar. Em sua postura, o mendigo como que suplica ajuda alheia. Essa e outras posturas, próprias de quem mendiga, é que identificam também o indivíduo carente de afeto. O juízo que o mesmo faz de si se associa a um sentimento de vazio interior, sôfrego de ser preenchido com alguma migalha de carinho ou de atenção.  Neste caso, o verbo mendigar é utilizado em sentido figurativo.

Quem é carente de afeto é dominado por uma sensação de angústia que o perturba e o faz agir com alguma inadequação, como se costuma dizer: metendo os pés pelas mãos. Essa inadequação, muitas vezes, provoca reação contrária daqueles que são por ele (ou por ela) assediados. A afetividade é, antes de tudo, humana: é carência de gente e não de coisas.

A título de exemplo, lembro aqui os versos da música “Teresinha de Jesus”, na versão de Chico Buarque. Eles dizem assim: “O primeiro me chegou como quem vem do florista: trouxe um bicho de pelúcia, trouxe um broche de ametista. Me contou suas viagens e as vantagens que ele tinha. Me mostrou o seu relógio; me chamava de rainha. Me encontrou tão desarmada, que tocou meu coração, mas não me negava nada e, assustada eu disse “não”.

O segundo me chegou como quem chega do bar; trouxe um litro de aguardente tão amargo de tragar. Indagou o meu passado e cheirou minha comida, vasculhou minha gaveta; me chamava de perdida. Me encontrou tão desarmada que arranhou meu coração, mas não me entregava nada e, assustada, eu disse “não”.

O terceiro me chegou como quem chega do nada; ele não me trouxe nada (só a si mesmo o que não seria pouco), também nada perguntou. Mal sei como ele se chama, mas entendo o que ele quer! se deitou na minha cama e me chama de mulher. Foi chegando sorrateiro e antes que eu dissesse não, se instalou como um posseiro dentro do meu coração”. 

Postado por José Morelli

 

 

 

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