Diferentemente das localidades em que se encontram igrejas de Nossa Senhora da Penha, seja no Rio de Janeiro seja na cidade de Vitória, no Espírito Santo, cujas topografias se caracterizam como cumes de montanhas, a da cidade de São Paulo se encontra a meia encosta da colina, como costumava dizer o eminente historiador penhense, de saudosa memória, Dr. Sylvio Bomtempi. A fim de deixar um registro, de próprio punho, sobre a Penha dos primeiros anos do século passado, o Padre António Benedito de Camargo, vigário da paróquia por longos 55 anos, consignou no Livro do Tombo, em 25 de agosto de 1905, o seguinte:
“edificada sobre um
alto, num descampado inteiramente plano, onde sopram todos os ventos, que fazem
trazer a população isente de moléstias. É esta procurada continuamente por
convalescentes, espécie de sanatório onde têm eles saído sãos, robustos, cheios
de vida. É raro, por isso, aparecer entre os habitantes daqui moléstias de
caráter grave”.
Dada a
posição em que se encontrava e se encontra o Santuário Eucarístico de Nossa
Senhora da Penha, voltado para o centro da cidade, o arcebispo de São Paulo, à época, Dom Duarte
Leopoldo e Silva, insistia junto aos padres redentoristas de que o lugar onde seria
construído o novo santuário (hoje basílica) deveria permitir que o mesmo fosse
visível à cidade e que, deste, a cidade pudesse ser vista e protegida pelo
olhar atento de Nossa Senhora.
Para melhor
aquilatar o tipo de experiência dos que vinham para as antigas festas da Penha,
vale recordar a descrição da festa em 1918, contada no romance “Menino Felipe –
Primeira Viagem”, de Afonso Schmidt:
“Os trens partiam
superlotados da Estação Norte. Pela estrada de rodagem da Penha, formavam-se
cortejos de carroças cobertas de ramos verdes, enfeitadas de bandeirolas de
papel de seda. Quando chegavam à subida do santuário, os romeiros deixavam os veículos
à porta das vendas (próximo à passagem do Aricanduva), botavam um feixe de
capim diante dos burros e galgavam a ladeira, à pé, conduzindo grossas velas de
cera... A estação encontrava-se a meio quilometro de distância, num corte
praticado na colina, à chegada de cada trem, era uma algazarra. Roceiros
vendiam canas, batata doce assada, cuias de garapa e tigelinhas de quentão.
Depois, os grupos se punham a caminho da igreja. Ouviam-se queixas de violão,
risadas finas de bandolins. Os romeiros caminhavam devagar, colhendo flores dos
arbustos que pendiam dos barrancos. Havia gente que parava para contar caso. Ou
para tirar o calçado, que lhe espremia os pés. Quando chegamos ao largo da
igreja foi um deslumbramento”...
Tais experiências, relacionadas aos lugares
altos, aparecem inúmeras vezes tanto no Antigo como no Novo Testamento da
Bíblia de maneira sempre muito significativa. Já no primeiro livro, capítulo 8º
do Gênesis, referindo-se à história de Noé e de sua arca, o autor sagrado
escreve o seguinte:
“E no sétimo mês, no
décimo sétimo dia do mês, a arca pousou sobre as montanhas de Ararat. As águas
continuaram a baixar até o décimo mês e, no primeiro dia do décimo mês
apareceram os cumes dos montes”. (Gen. 8:4-5)
Nesse mesmo
livro encontra-se o relato sobre a Torre de Babel, no qual conta que Javé
confundiu as línguas dos que a construíam, a fim de não chegarem a concretizar
o ambicioso intento. Em resposta, Javé desce e aplica um castigo àquele povo, a
fim de que este entendesse que não deveria fechar-se em si mesmo; mas manter-se
aberto a outros povos:
“Vamos construir uma
torre cujo cimo atinja os céus! Tornemo-nos famosos e não nos dispersemos pela
terra toda... (em
resposta, Javé diz) Eia, pois! Desçamos lá mesmo e confundamos-lhes a língua, para que
ninguém mais compreenda a fala do outro!“ (Gen. 11: 4 e 7). Babel
significa confusão.
Outra
passagem atribuída ao patriarca Abraão, mostra como Deus jogou duro com ele.
Tendo-lhe prometido que teria uma descendência maior do que as areias do mar,
pede-lhe que ofereça em sacrifício seu filho único. Com o intuito de prova-lo,
Deus o chama:
“Abraão! Abraão!”.
“Eis-me aqui, respondeu-lhe. E Deus continuou: “Toma teu filho, teu único
filho, que tanto amas, Isaac, e vai à região de Moriá e lá oferecê-lo-ás em
holocausto sobre um dos montes que te indicarei” (Gen. 22:1-2)
Abraão fez
tudo como lhe foi pedido; porém, quando estendeu a mão e pegou a faca para
sacrificar o filho, o Anjo do Senhor lhe apareceu e disse:
“Não levantes tua mão
contra o menino e não faças mal algum! Agora sei que verdadeiramente temes a
Deus, pois não me recusaste teu filho, teu filho único” (Gen. 22: 12)
No livro do
Êxodo, Moisés vive a experiência de encontro com Deus desta vez no alto do monte
Horeb:
“Moisés apascentava as
ovelhas de Jetro, seu sogro, sacerdote de Madiã. Tendo conduzido o rebanho para
o outro lado do deserto, chegou à montanha de Deus, o Horeb... Então, no meio
da sarça, Deus o chamou: “Moisés! Moisés!” E ele respondeu: “Aqui estou!” Não te aproximes daqui. Tira as
tuas sandálias, porque o lugar em que estás é uma terra santa” (Êxodo 3: 4e5).
Foi ainda nesse
mesmo lugar que Deus revelou a Moisés qual o seu nome:
“Mas se eles
perguntarem o seu nome? Que é que vou responder-lhes?”. Deus disse a Moisés:
“Eu Sou Aquele que Sou” (Javé). (Êxodo 3:13-14)
Em outro
momento, no monte Sinai, Deus entregou a Moisés as duas tábuas da lei, na qual
haviam sido gravados os dez mandamentos:
“Moisés subiu para ir
ter com Deus. Do alto da montanha, Javé o chamou dizendo: “Assim falarás à casa
de Jacó: ... E agora se ouvirdes com atenção a minha voz, e observardes a minha
aliança, sereis para mim uma propriedade exclusiva, escolhida dentre todos os
povos; pois toda a terra é minha. E vós sereis para mim um reino de sacerdotes
e uma nação santa.” (Êxodo 19: 3-4e5).
Tendo sido
informada, pelo Anjo, que sua prima Isabel se encontrava no sexto mês de
gravidez, Maria apressou-se para ir ao seu encontro. O evangelista São Lucas
assim escreve:
“Maria se dirigiu a
toda pressa para a região montanhosa, a uma cidade da Judéia. Entrou na casa de
Zacarias e saudou Isabel. Quando Isabel ouviu a saudação de Maria, o menino
saltou no seio dela e ficou cheia do Espírito Santo. Então, exclamou em voz
alta: “Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu seio! De onde
me vem a felicidade de que a mãe do meu Senhor venha me visitar?” (Lucas 1: 39 a 43).
No sentido
de preparar seus discípulos, para os acontecimentos que iriam se abater sobre
Jesus, sua paixão e morte de cruz, Ele transfigurou-se diante deles no alto do
monte Tabor. Assim descreve o evangelista Mateus como isto aconteceu:
“Jesus tomou consigo a
Pedro, Tiago e seu irmão João, e os levou a um lugar à parte sobre um alto
monte. Transfigurou-se diante deles: seu rosto brilhava como o sol e sua roupa
tornou-se branca como a luz. Então lhes apareceram Moisés e Elias, conversando
com ele. Pedro interveio, dizendo a Jesus: “Senhor, como é bom estarmos aqui!
Se queres, farei aqui três tendas: uma para ti, outra para Moisés e outra para
Elias”. Ainda falava, quando uma nuvem luminosa os envolveu, enquanto dela saía
uma voz que dizia: “Este é meu Filho bem amado no qual encontro toda minha
satisfação. Ouvi-o”. (Mateus 17: 1-5)
Da mesma
forma como Moisés recebeu, no monte Sinai, as tábuas da lei gravadas com os dez
mandamentos, Jesus também sobe a um monte, para dali promulgar as bem-aventuranças,
que se constituem como aprimoramento da lei mosaica:
“Jesus subiu ao monte.
Quando sentou, seus discípulos chegaram para perto dele. Tomou a palavra e
ensinava-os assim: “Felizes os pobres em espírito, porque a eles pertence o
reino dos céus. Felizes os aflitos, porque serão consolados. Felizes os mansos
e humildes, porque herdarão a terra da promessa. Felizes os famintos e sedentos
da justiça, porque serão saciados. Felizes os misericordiosos, porque serão
tratados com misericórdia. Felizes os puros de coração, porque verão a Deus.
Felizes os promotores da paz. Porque serão chamados filhos de Deus. Felizes os
perseguidos por causa da justiça, porque a eles pertence o reino dos céus...” (Mateus 5:1-11).
Condenado à
morte de cruz, Jesus levou-a sobre os ombros até o monte Calvário. Do alto de
sua cruz, Ele nos deixou como herança Maria, sua própria Mãe:
“Perto da cruz de
Jesus, estavam sua mãe, a irmã de sua mãe, Maria, mulher de Cléofas e Maria
Madalena. E Jesus, vendo sua mãe e perto dela o discípulo a quem amava, disse à
sua mãe: “Mulher, eis aí teu filho!” Em seguida, disse ao discípulo: “Eis aí
tua mãe!” E desde aquela hora o discípulo a recebeu aos seus cuidados”. (João 19: 25-27).
De maneira
semelhante à experiência de fé, vivenciada pelos romeiros que subiam a ladeira da
Penha, rumo ao antigo santuário, caminhando “devagar, colhendo flores dos arbustos
que pendiam dos barrancos”, como foi descrito acima no livro de Afonso
Schmidt; nos dias atuais, também, experiência parecida pode ser
vivenciada pelos componentes dos grupos que vêm participar das visitas
monitoradas à Penha. Ao subirem as escadas que levam ao alto da torre da Basílica,
outros tipos de flores podem ir colhendo dos arbustos, até chegarem ao amplo
terraço, localizado no mesmo andar onde se encontram os cinco sinos que compõem
o carrilhão. Desse lugar visualizam a cidade se descortinando, no horizonte: “um
deslumbramento”.
Postado por José Morelli
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