quarta-feira, 4 de outubro de 2017

Medo da cura

Por absurdo que possa parecer, a hipótese de que uma pessoa permaneça tomada pelo medo de curar-se não é tão improvável que se confirme na prática. Na verdade, tal fato pode até servir como excelente álibi.  Um problema de saúde cairia, sob medida, adequado para representar um impedimento justificado ao uso normal das próprias capacidades, tanto perante aos outros como perante a si própria, uma vez que, caso se obrigasse a um trabalho ou ocupação mais exigente, se sentiria imensamente sobrecarregada, bem além das próprias forças sejam estas físicas e/ou mentais/emocionais.

Colocando em dois pratos da balança: num, a doença e, noutro, o fantasma que representaria o enfrentamento de um trabalho formal, não é tão difícil entender o porquê de a pessoa preferir escolher o que estaria depositado no primeiro prato e não no segundo. Este seria mais condizente com a imagem que possui de si mesma e que traz em seu pensamento e em seu sentimento.

É evidente que ninguém, em sã consciência, declararia explicitamente de que é o medo que a está impedindo de curar-se. Socialmente, é inaceitável que alguém possa utilizar-se desse tipo de “malandragem”, apenas para ser poupado de um sofrimento que se lhe apresenta mais incômodo do que a própria doença.

O que foi dito até aqui, pensando a questão do medo da cura num indivíduo qualquer, pode também ser ampliado para o que acontece ou pode acontecer com os cidadãos, entendidos como coletivos: famílias; escolas; grupos sociais; pessoas de determinadas regiões de um país; um país em seu conjunto. Se a imagem que esses coletivos constroem em seus imaginários forem negativas: de não competência para o exercício profissional, dificilmente não serão vítimas de seu próprio medo de enfrentarem os desafios do mundo do trabalho. 

A dificuldade que se apresenta neste nosso momento histórico de escassez de ofertas de trabalho, a demora de se poder conseguir algum emprego, a não possibilidade de encontrar outra colocação no mesmo nível salarial da que tinha antes, isso tudo pode gerar tanto constrangimento que não é tão difícil de a mente não criar um mecanismo de defesa no sentido de blindar o sujeito. O preço de uma situação como esta pode ser bem caro. As defesas caem e a possibilidade de se contrair alguma doença se torna ainda mais fácil. 

Postado por José Morelli

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