quarta-feira, 26 de março de 2014

Encantos e desencantos

As palavras buscam expressar aquilo que as idéias conseguem entender dos fatos. Falar de encantos e desencantos pode trazer à lembrança a imagem de um mago com enorme turbante à cabeça, tocando sua flauta diante do cesto, do qual uma serpente com língua trêmula vai subindo lentamente. Esta parece não resistir à magia da música. A força do encantamento faz com que a víbora deixe de lado sua comodidade e se volte, como que enfeitiçada, para algo fora de si, sem atinar para o risco a que se expõe.

Encantos são objetos de nossos desejos. Eles têm o poder de nos atrair. Ficamos infelizes e inquietos enquanto não conseguimos que se concretizem. A imagem que trazemos de nós mesmos, em nossa mente, se completa quando os conquistamos. Sentimo-nos mais realizados e valorizados, com o nosso ego narcisista inflado, tanto perante aos nossos próprios olhos como também perante aos olhos dos outros.

As pessoas possuem a capacidade de se encantarem e de se desencantarem umas às outras. Os mútuos conhecimentos se dão, geralmente, a partir da forma física, da aparência externa. O que salta aos olhos em primeiro lugar é o invólucro, só depois é que vem à tona o conteúdo interno: a personalidade, com suas qualidades e defeitos. Os momentos difíceis, vivenciados no companheirismo e na solidariedade, são aqueles que conseguem provar melhor o quanto de cumplicidade duas pessoas são capazes de manterem entre si. Existem pessoas que só conseguem se encantar enquanto se mantém voltadas para a parte física do outro. Perdem o encantamento, quando se deparam com sua realidade mais profunda.

“Não sou tudo isso que você está vendo em mim... são os seus olhos que me vêem assim!” Os encantamentos podem existir naquele que traz, em si, o desejo pelo outro ou nesse outro, que corresponde como objeto desejado.

Quem idealiza muito alto e espera demais de si mesmo e do outro, corre o risco de se desencantar com a realidade humana, inerente a todo ser mortal. Tal pessoa pode, rapidamente, passar do encantamento para o desencantamento. Enquanto busca apenas a si mesma no outro, não consegue encontrar nem a si própria, nem a mais ninguém. Perde a oportunidade de se lançar na aventura de acreditar em sua própria capacidade de amar e de acreditar que é amada por outra pessoa. 

Por José Morelli

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