“Que
lá do céu vem descendo uma coroa.
Ela vem do Reino da Glória.
Vamo pegá cum jeito, meu irmão,
essa coroa é de Nossa Senhora.”
Quando da
visita da Guarda de Moçambique Nossa Senhora do Rosário do bairro Alto de
Pinheiros, de Belo Horizonte - MG, em junho de 2009, quando da missa celebrada
pelo Padre Henúbio, antes que ele desse início à oração eucarística, o
comandante do Moçambique pediu aos reis que entregassem suas coroas para que
fossem colocadas sobre o altar. Terminada a missa, as coroas voltaram a ocupar
as cabeças do rei e da rainha.
A simbologia
desses gestos demonstra a profundidade do entendimento que a religiosidade
popular possui da eucaristia: Jesus Crucificado, tendo em sua cabeça uma coroa
de espinhos, por sua morte, entregou-se como Cordeiro Imolado pela redenção de
toda a humanidade, elevando-nos a todos e a todas à dignidade de reis e de
rainhas, de filhos e de filhas de Deus. Assim como no Calvário, Maria também é
presente em toda eucaristia.
Em outro
verso, cantado pelos grupos de Moçambique e de Congado, o comandante diz: “Sinhô rei escuta eu vou falar. Dá um passo à
frente e vamo caminhar... Pegar a coroa que está no altar”.
No dia de
nosso batismo, quando fomos ungidos com o óleo do crisma (o mesmo com que eram
ungidos os reis do povo de Israel), o oficiante rezou sobre nós a seguinte
oração: “Pelo batismo, Deus todo-poderoso
libertou-vos do pecado e vos fez renascer pela água e pelo Espírito Santo. Vós
fazeis agora parte do seu povo. Que Ele vos consagre com o óleo santo para que,
como membros de Cristo, sacerdote, profeta e rei, continueis no seu povo até a
vida eterna”. Participamos da missão de Jesus como sacerdotes, profetas e
reis.
Nas páginas
118 e 119 do livro de “Assentamentos da
Irmandade dos Homens Pretos da Penha de França – 1755 a 1780” além dos
nomes dos afiliados constam registros dos anos de 1806, 1808 e 1809, onde estão
relacionados os irmãos e irmãs que foram eleitos para dirigirem a Irmandade
naqueles anos: do rei e da rainha; do juiz e da juíza; dos irmãos que compunham
a mesa; do alferes da bandeira e do capitão do mastro”, de acordo com o que vem
registrado no livro de minha autoria “Penha
de França – Expressões do Rosário”, à página 22.
De acordo com o resumo histórico, contido na lápide existente na Igreja do Rosário da Penha, os irmãos e irmãs da Irmandade nos legaram como testemunho, a Solidariedade no Sofrimento. Em linguagem própria dos escravizados da época, a sabedoria de vida é expressa no seguinte verso: “Sinhá rainha sua casa cheira, cheira cravo e rosa e flor de laranjeira. Me dá a mão que te passo na pinguela. A pinguela é de imbaúba pó ter caruncho nela”. Desde que nos ajudemos mutuamente, mantemo-nos unidos como contas de um mesmo rosário.
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