Somos a mistura de natureza e tempo. Somos a soma dos dias que vivemos, desde aquele
primeiro em que despontamos como mais novo habitante deste planeta, até este
dia em que nos encontramos vivendo hoje. Somos manhã, tarde e noite: começo,
meio e fim. Somos claridade, discernimento, consciência. A temporalidade além
de nos ser oportunidade de existir também nos assusta com sua imprevisibilidade
futura. Natureza vem de nascimento, palavra de gênero feminino. Para promover
novas vidas, a natureza precisa do concurso do tempo. Tempo é palavra de gênero
masculino.
Através da maternidade, a mulher apropria-se de si mesma
como mãe e como filha que foi e que ainda é. Por sua projeção no filho ou filha,
tem-se de volta, recupera-se como filha, redescobrindo-se. Soma estas duas vivências.
Percebe-se e sente-se detentora daquele mesmo poder que, antes, via e percebia
em sua mãe. A natureza é mãe permanentemente. O tempo é fluido, passageiro.
Porém, é somente com sua colaboração, que a natureza se atualiza em sua função/missão
de geradora de novas vidas. O tempo pode ser assemelhado ao pai. - Natureza e
tempo: companheiros, contingentes,... relacionam-se incessantemente rumo a
direções imprevisíveis.
A sabedoria do compartilhar da transitoriedade, da
temporalidade, do termo final. O saber usufruir da vida enquanto ela é. O tempo
é como uma flecha que, tendo sido disparada, tende a seguir o seu próprio curso. Movimento é vida, transformação ininterrupta
e constante. No tempo, a vida se esvai inexoravelmente. Nossa consciência busca
sempre novos sentidos para tudo o que vivencia e percebe. Sentido de poder, de
segurança, de superação dos limites. As diferenças, ora são percebidas e
sentidas como gratificantes, ora como ameaçadoras e sofridas. Homem e mulher -
pai e mãe - natureza e tempo - poder e submissão (poder-submisso e
submissão-poderosa): alternâncias de ilusões.
Natureza e tempo, na sucessão: pais, filhos, netos,
bisnetos, trinetos... A arte de transmitir vida. Pai e mãe unidos pelo mesmo
objetivo. O cultivo da sensibilidade para consigo e para com o outro. A
superação do egoísmo. O legado de cada um: a posteridade. A semente
remanescente do fruto: semente-natureza, que se anula, dando oportunidade ao
surgimento de nova vida. O jogo de um poder que se desdobra em identificações e
contra-identificações, como imagens indefinidamente refletidas e multiplicadas em
dois espelhos colocados um de frente para o outro.
Por José Morelli
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