Por absurdo que possa parecer, a
hipótese de que uma pessoa permaneça tomada pelo medo de curar-se não é tão improvável
que se confirme na prática. Na verdade, tal fato pode até servir como excelente
álibi. Um problema de saúde cairia, sob medida,
adequado para representar um impedimento justificado ao uso normal das próprias
capacidades, tanto perante aos outros como perante a si própria, uma vez que, caso
se obrigasse a um trabalho ou ocupação mais exigente, se sentiria imensamente sobrecarregada,
bem além das próprias forças sejam estas físicas e/ou mentais/emocionais/espirituais.
Colocando em dois pratos da
balança: num, a doença e, noutro, o fantasma que representaria o enfrentamento
de um trabalho formal, não é tão difícil entender o porquê de a pessoa preferir
escolher o que estaria depositado no primeiro prato e não no segundo. Este
seria mais condizente com a imagem que possui de si mesma e que traz em seu
pensamento e em seu sentimento.
É evidente que ninguém, em sã
consciência, declararia explicitamente de que é o medo que a está impedindo de
curar-se. Socialmente, é inaceitável que alguém possa utilizar-se desse tipo de
“malandragem”, apenas para ser poupado de um sofrimento que se lhe apresenta
mais incômodo do que a própria doença.
O que foi dito até aqui, pensando
a questão do medo da cura num indivíduo qualquer, pode também ser ampliado para
o que acontece ou pode acontecer com os cidadãos, entendidos como coletivos:
famílias; escolas; grupos sociais; pessoas de determinadas regiões de um país;
um país em seu conjunto. Se a imagem que esses coletivos constroem em seus
imaginários forem depreciativas: de não competência para o exercício
profissional ou de uma maior autonomia, dificilmente não serão vítimas do
próprio medo de enfrentarem os desafios de encararem situações que exijam
maiores esforços e competências.
A dificuldade que se apresenta neste
nosso momento histórico de escassez de ofertas de trabalho, a demora de se poder
conseguir algum emprego, a não possibilidade de encontrar outra colocação no
mesmo nível salarial da que tinha antes, isso tudo pode gerar tanto
constrangimento que não é tão difícil de a mente não criar um mecanismo de
defesa no sentido de blindar o sujeito. O preço de uma situação como esta pode
ser bem caro. As defesas caem e a possibilidade de se contrair alguma doença se
torna ainda mais fácil.
Postado por José Morelli