segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

“Saborear”

Só existe um momento em que se pode saborear o que se come: aquele em que o alimento se encontra ainda na boca e é mastigado e dissolvido em meio à saliva A galinha, o camelo e outros animais possuem um papo, no qual as porções engolidas ficam armazenadas e à espera da hora certa para retornarem à boca e, aí sim, serem trituradas dando início ao processo de assimilação ou digestão. Quem, como nós humanos, não possui esse recurso do papo e costuma engolir a comida por inteiro, perde a única oportunidade de senti-la devidamente em seus múltiplos sabores.

A palavra “saborear” também é usada em sentido figurado, podendo ser aplicada a situações as mais diversas, que não se referem propriamente ao sentido do paladar, mas a outras percepções, algumas agradáveis outras desagradáveis.

O café da manhã, tomado com tranquilidade, pode ser um momento especial para se premiar pela disposição de ter se levantado cedo da cama e de estar se preparando para mais um dia de trabalho. Tomá-lo em silêncio e ouvindo apenas o cantar dos pássaros do outro lado das janelas não deixa de ser uma associação de “sabores”. Escolher músicas do próprio gosto para ouvir nas horas de refeição ajuda na valorização desse momento tão importante para a saúde. Porém, como cada um é dono de si e faz da própria vida o que preferir, ninguém é proibido de associar à comida a atenção dos olhos e dos ouvidos nos noticiários - choques de realidade - veiculados pela televisão. Estes têm seus sabores que se misturam aos dos alimentos e, depois, precisam bem ou mal ser digeridos.

A vida como um todo pode ou não ser saboreada. É voz comum que o tempo “voa”. Parece que foi ontem que começou 2013 e o dia de amanhã já será o último que antecede a virada para 2014. Participar dos acontecimentos históricos, desse jeito, parece não ser prá valer. Parece mesmo uma brincadeira de faz de conta. A pressão exercida pela rotina de antemão estabelecida, com um evento se seguindo ao outro, rouba do cidadão a sensação de liberdade e de autonomia de se perceber e de poder escolher o que e como viver a própria vida.

Quem sabe o aprendizado de saborear melhor os alimentos não ajude a todos e a cada de nós a usufruir mais e melhor dos próprios momentos de vida!

Por José Morelli

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Sinergia

Esta palavra, derivada da junção de dois vocábulos gregos: syn que significa cooperação e érgon que significa trabalho é, de acordo com uma definição encontrada no Google, “o efeito ativo e retroativo do trabalho ou esforço coordenado de vários subsistemas na realização de uma tarefa complexa ou função”. Trabalho/esforço são ações que demandam energia. A palavra sinergia é mais propriamente aplicada na química. Quando dois químicos atuam em conjunto numa organização, o efeito que eles conseguem como resultado é superior à soma das contribuições de cada um deles, considerados em suas capacidades individuais: “o todo supera a soma das partes”. A presença de mais um potencializa o efeito produzido pela união dos dois profissionais técnicos.

Com base no que foi dito acima, podemos fazer uso da palavra sinergia com o objetivo de explorá-la em sua capacidade de ajudar na compreensão de um outro campo do conhecimento, que é o das relações humanas, em toda sua abrangência. Não é fora de sentido entender que a mente (consciência) passa constantemente sua energia para o corpo e que o corpo passa sua energia para a mente (consciência). 

Quando ambos se voltam para um mesmo fim, de forma inteira, isto é, sem restrições nem bloqueios, o efeito que conseguem pode ser considerado sinérgico. Um gesto, uma palavra tem força mobilizadora: energia cuja tendência é a de se expandir sobre o outro em sua integralidade. Gesto e palavra. A intensidade com que são produzidos depende do envolvimento de quem gesticula ou fala com o sentido da mensagem que deseja expressar. 

Lugares também não deixam de ter sua própria energia e de transmiti-la e mesmo trocá-la com aqueles que neles se encontram. Uma visita à capela de São Miguel Paulista, num momento em que nela acontecia uma exposição de obras de autores modernistas, pode se constituir como uma oportunidade de troca sinérgica entre aquele importante patrimônio e o visitante que se predispunha a “viajar” em sua peculiar história. A imensa paineira próxima à capela e que com ela tem convivido tantos anos também trazia em si, potencialmente, a capacidade de promover sinergia com aqueles que a viam com os olhos ou a tocavam com as mãos.

O próprio existir de um ser humano e seu funcionamento se constituem como energia atuante. Nada existe sem essa força vital, esse princípio de organização e de funcionamento. O beijo entre dois namorados que se deixam atrair irresistivelmente é denso de sinergia, ultrapassando-se em seus efeitos. O envolvimento sexual de pessoas que se entregam sem restrições é, dentre todos os envolvimentos, o que tem maior poder sinérgico, potencialmente capaz de procriar a espécie humana.

Por José Morelli

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Unidade na diversidade

Nem sempre os caminhos aparentemente mais fáceis são os melhores a serem seguidos. Um grupo que consegue reunir pessoas com características de personalidade e de formação diferenciadas é, potencialmente, mais capaz de conseguir melhores resultados, que atendam às necessidades e anseios da maior parte de seus membros.

No convívio familiar, aprender a conviver com as diferenças nas maneiras de pensar, de sentir e de agir, próprias de cada componente do grupo, interagindo de forma proativa e sabendo dar a oportunidade de que manifestem suas idéias e vontades, é garantia de maior satisfação e progresso pessoal e grupal.
As leis da matéria são intransigentes: dois corpos não podem, num mesmo momento, ocupar o mesmo lugar no espaço. A vida humana, no entanto, não se constitui apenas de matéria. A fixação nesta, ao mesmo tempo em que pode servir de base e suporte à ação é, também, fator de impedimento e limitação à mobilidade e a avanços em mais e melhores direções.

A sociedade humana se apresenta de forma heterogênea, isto é: as pessoas nascem e se desenvolvem com traços de personalidade bastante diferenciados entre umas e outras. As idéias de fabricação de humanos em laboratório, produzidos a partir de programas de computador, de modo a que indivíduos e grupos sejam utilizados para a execução de tarefas específicas, parece ser mais uma utopia maluca, criada faz algumas décadas por mentalidades inseguras e paranoicas.

O ensinamento de que homens e mulheres sejam dotados de livre arbítrio evidencia a coragem d’Aquele que foi e é o responsável por assim constituí-los. Para se garantirem do poder, os que o detêm no mundo se mostram intolerantes com os que se lhes apresentam como diferenciados. Sentem-se ameaçados por aqueles que não se mostram como sendo às suas imagens e semelhanças. Fazem, destes, inimigos em potencial pelo simples fato de existirem. Através da força física e das armas buscam o controle social, apostando e fomentando o medo como meio para atingir esse controle. Não acreditam no desenvolvimento da inteligência e da mente livre. Esta é vista e sentida como um risco diante do qual a humanidade não pode e não deve se expor.

A proposta de se buscar a unidade na diversidade é o caminho de mão certa para todos os grupos, desde o familiar até o das grandes potências mundiais em suas relações entre si e com as múltiplas sociedades, por mais diferenciadas que se apresentem em suas maneiras de pensar, de ser e de agir.  

Por José Morelli 

Viver

O que é viver?... A planta vive a plenitude de sua vida na capacidade do que a natureza lhe permite. Uma roseira se realiza plenamente ao produzir belas e perfumadas rosas. Da mesma forma os minerais, cada um de acordo com as características próprias com que a natureza o dotou, cumpre seus papéis no contexto de todo o mundo e de todo o universo. A pedra se realiza como pedra, a água como água, o mercúrio como mercúrio. Ao serem juntados uns com os outros, ora eles apenas se misturam, ora eles se fundem, modificando-se definitivamente, transformando-se em novas formas de natureza.

A plenitude da vida animal é alcançada pelos bichos, de acordo com a complexidade de sua formação natural. A ameba, um unicelular aparentemente simples, no qual se pode observar a fluição da energia, que caminha em toda a sua extensão. Na outra ponta, o chimpanzé, com um grau mais sofisticado de complexidade em sua formação, a ponto de possuir um cérebro quase nas mesmas proporções do que o dos seres humanos. Os bichos preenchem suas capacidades de viver seguindo seus instintos e povoando este planeta, dotando-o de uma variedade de tipos os mais belos e exóticos que a mente humana jamais poderia imaginar. Todos eles possuem uma finalidade. Formam uma cadeia que não pode e não deve ser rompida. A vida de uns depende da vida de outros. Qualquer um que seja retirado dessa cadeia prejudica ou mesmo impossibilita a vida de outros. Daí a importância de se cuidar e de se preservar a natureza, como vivem alertando os ecologistas e aqueles que possuem consciência do que é e de como funciona a natureza.

E quanto aos seres humanos? O que é viver para homens e mulheres? ... A resposta é a mesma. Que vivam a plenitude de suas vidas desenvolvendo as capacidades com que a natureza os dotou. O corpo dos seres humanos possui minerais em sua composição, de igual maneira possuem também uma flora e uma fauna. Porém, a característica distintiva da natureza humana é sua capacidade mental de refletir, de conscientizar-se de si mesma e do que existe ao seu redor. Com essa capacidade os seres humanos podem se ligar a tudo, podem ganhar a dimensão do mundo e do universo. Viver humanamente é comungar a própria vida com tudo e com todos.  

Por José Morelli

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

“Altos e baixos”

Estas qualificações foram estabelecidas a partir da experiência humana. A visão que o homem construiu do mundo se deveu à sua posição ereta e em pé e não deitado, apoiado sobre quatro patas como a maior parte dos outros animais. Sendo assim, seus olhos viam na linha do horizontal. A visão do sol, desde o momento em que este aparecia e iniciava sua trajetória, era percebida descrevendo uma linha de ascensão até atingir seu ponto máximo, passando depois a percorrer um caminho descendente, até desaparecer no poente.

O homem ereto desenvolveu suas pernas para caminhar e seus braços para manipular objetos e transformá-los, aprimorando-se assim em suas habilidades manuais. Juntamente com as aptidões corporais, desenvolviam-se os pensamentos. Altos e baixos ganharam significados de oposição e de complementação. Uns foram estabelecidos relativamente aos outros. No intermédio entre ambos, estabeleceram-se os conceitos de planos e de planícies, de estabilidade e de equilíbrio.

Pouco a pouco, foram se formando as primeiras falas ou linguagens: os grunhidos foram se diferenciando, ganhando novos significados. As circunstâncias diferenciadas em que viviam as tribos primitivas fizeram com que estas criassem palavras com sons e significados próprios. Desenhos passaram a representar coisas, criando grafias que simbolizavam bichos, plantas, objetos, movimentos e tudo aquilo que podia ser visto com os olhos, apalpado com as mãos, ouvido os sons com os ouvidos, saboreado os gostos com o paladar, diferenciado os cheiros com o olfato e compreendidos os significados de cada um deles, combinando-se os entendimentos a partir de semelhanças e de diferenças, formando agrupamentos, indicativos de seus sentidos para cima ou para baixo.

Associaram-se a esses conceitos; o positivo e o negativo; o bem e o mal, o certo e o errado, o prêmio e o castigo, o claro e o escuro, o céu e a terra, a vida e a morte, o preto e o branco, a riqueza e a pobreza e outros. A vida humana é um diálogo constante entre opostos. Dizer que ela acontece entre “altos e baixos” é uma forma bastante rica de expressá-la, não apenas em suas dimensões quantitativas, como em suas dimensões qualitativas. Os dramas humanos precisam ser compreendidos em seus porquês. O saber é um valioso instrumento para que o homem possa encontrar as melhores maneiras de viver e de conviver com seus semelhantes e com o planeta que é seu habitat comum.

Por José Morelli 

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Alter-ego

Estas duas palavras, separadas por um hífen, provêem do latim. Alter significa outro e ego significa eu. Ater-ego é o mesmo que outro eu. A existência desta palavra composta supõe de que o eu pode se desdobrar em mais eus. Um é aquele com o qual o indivíduo se vê identificado e se reconhece facilmente. O outro eu ou os outros eus são aqueles com os quais o indivíduo não consegue se perceber de imediato, em si mesmo, mas somente através da manifestação de outra pessoa. O alter-ego reflete aspectos mais difíceis de serem aceitos conscientemente.

Um lutador de boxe pode servir como alter-ego a expectadores que sempre se consideraram da paz, muito calmos e pouco agressivos. Ao assistirem uma luta, esses expectadores se surpreendem sentindo, em si mesmos, impulsos de agressividade. Sem querer, se percebem nervosos, chegando até mesmo a movimentar os próprios braços, como se estivessem querendo desferir socos no competidor. Com isso, revelam o outro lado da própria personalidade. Olhando-se com um olhar mais autocrítico, a partir dessa constatação, podem se reconhecer que não são tão pacíficos e bonzinhos como se imaginavam que eram.

Ego-auxiliar é o profissional que contracena com o protagonista de uma dificuldade ou problema, em uma sessão psicodramática. Em alguns momentos, o ego-auxiliar deve funcionar como alter-ego. Agindo ao contrário do que comumente agiria o protagonista da cena, o ego auxiliar testa a hipótese de que a imagem com que o protagonista está mais habituado a se reconhecer não esgota toda sua verdade. Ele é bem mais do que pensa ser. Seus limites vão além do que imagina ser capaz.

No dia a dia, toda pessoa se depara com vários alter-egos. A maior parte das vezes, estes são vistos neles mesmos, sem que se possa perceber o quanto representam pelo que colocam à mostra, chocando e causando constrangimentos. A televisão, o cinema criam muitos alter-egos. A curiosidade, a admiração que certos personagens despertam nos expectadores são indícios do quanto aqueles se encontram presentes nas fantasias e nos sentimentos dos que os assistem através de imagens virtuais.

É próprio do adulto que se mostre maduro em suas palavras e atitudes. Alguns destes são capazes de se permitir, em certos momentos, deixar vazar a criança que nem sempre se encontra dormindo dentro deles. Outros só se mostram através da censura que fazem àqueles que se permitem tal liberdade.  

Por José Morelli

Alçadas

Este termo vem do vocábulo jurídico e significa, de acordo com o dicionário, “jurisdição”, “competência”. Neste texto, quero utilizar-me da palavra “alçadas” (no plural), num sentido mais amplo, de tudo aquilo sobre o qual temos poder e capacidade de influenciar e modificar. Pergunto: qual o poder que temos sobre o amor que o outro ou os outros têm por nós?... Penso que, diretamente, não temos nenhum. Quem tem, diretamente e em primeiro lugar, alçada sobre o amor que sente, dentro de si, é a própria pessoa que ama. O amor pertence a cada um. É ele quem cuida e é responsável por seu próprio sentimento.

A pessoa amada pode corresponder ou não. É ela que tem alçada para deixar-se ou não contagiar pelo amor do outro. Duas pessoas que se amam precisam entender e saber respeitar essa hierarquia. Este é o princípio. Na prática, os gestos e atitudes não vêm com carimbo de qualidade. As verdadeiras intenções nem sempre transparecem. Estão sujeitas às mais variadas interpretações. Um presente pode ser entendido como uma prova de amor ou como uma chantagem, um meio para controlar os sentimentos do outro.

Respeitar as alçadas exige maturidade humana. Quem não tem uma base de auto-estima e de segurança pessoal, não consegue manter-se bem, diante das exigências normais de uma vida a dois. A falta de confiança em si próprio é transferida para o outro. Sobrevém a necessidade de vigiá-lo, controlá-lo.O amor perde sua espontaneidade natural, sendo substituída pelo medo da perda. Decresce a qualidade do relacionamento. Decresce, também, a capacidade de as pessoas se proporcionarem felicidade.

É próprio dos adultos sadios e conscientes serem responsáveis por suas ações e sentimentos. É um direito que possuem e que deve ser respeitado pelos outros. Os pais respondem pelos filhos menores. Na medida em que eles crescem e se desenvolvem, vão, pouco a pouco, assumindo poder sobre suas vidas. Nessa dinâmica toda, o sentido das alçadas vai sendo estabelecido e vivenciado à sua maneira, em cada fase da vida e de acordo com as circunstâncias que envolvem cada um. É um aprendizado constante. Se os indivíduos sabem se respeitar mutuamente, a sociedade em seu todo só tem a ganhar. As alçadas existem, para que os valores fundamentais da vida tenham lugar e respeito no dia a dia das pessoas e da sociedade. 

Por José Morelli

sábado, 7 de dezembro de 2013

Centrar-se no Interlocutor

Interlocutor é aquela pessoa ou aquele grupo de pessoas com quem você fala ou para quem escreve. “Centrar-se” é dar atenção à pessoa a que se dirige, considerando-a como centro, principal razão de sua comunicação.

É claro que o assunto, também, precisa ser do interesse do destinatário; entretanto, no momento em que a comunicação ocorre, a preocupação maior não deve ser com o discurso (conteúdo da fala), mas com o entendimento do discurso pelo interlocutor. Daí a necessidade de manter-se atento nele, percebendo-o em suas reações, se está ou não entendendo o assunto, acompanhando-o e com que interesse.

Um professor ou professora, excessivamente preso (a) ao conteúdo de sua aula, não conseguirá prestar a devida atenção nos alunos. Essa falta de atenção em seus interlocutores pode prejudicar o aprendizado. A segurança do professor (a) facilita seu desprendimento do conteúdo a ser ensinado, permitindo-lhe comunicar-se melhor.

Ao falar em público, o orador transmitirá sua mensagem, com muito mais eficácia, se conseguir olhar para seu auditório, transmitindo-lhe, no olhar, sua confiança em si mesmo, no tema que está tratando e nas pessoas, que estiverem ali para ouvi-lo. Para portar-se assim, o orador precisa superar as inseguranças, que porventura tenha, com relação ao tema que tem como objetivo abordar, e com relação à sua aceitação, como pessoa, da parte de seus ouvintes.

Você que me lê nesta coluna é, também, um interlocutor. Infelizmente, não posso vê-lo, nem conversar com você, ouvindo-o a respeito do que costumo escrever aqui. Acontece, vez ou outra, de algum leitor comunicar-se por carta ou telefone. Pessoas que me conhecem pessoalmente, também costumam comentar um ou outro tema lido no jornal.

Porém, para que eu possa, realmente, centrar-me no interlocutor, seria preciso que mais leitores (as) se manifestassem a respeito dos artigos sobre psicologia, publicados a cada semana. Pareceres, críticas e sugestões serão bem aceitas. Com este retorno, acredito, a qualidade destes trabalhos poderá ser ainda melhor. Antecipadamente, agradeço!

Por José Morelli

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Acreditar

Para poder ajudar é preciso acreditar. Se não acreditamos na capacidade do outro e de sua boa vontade para vencer as próprias dificuldades e problemas, de se superar em seus limites, consideramos sua mudança um caso perdido e nada podemos fazer, de maneira eficaz, para que o mesmo se modifique. Nossa “compreensão”, quando não acreditamos no outro, não apostando em seu potencial é o mesmo que acomodação e cumplicidade.

Acontece, às vezes, que é justamente aquele que está necessitando da ajuda, quem mais faz para destruir a crença dos que o querem ajudar. Através de vários meios, procura destruir toda esperança e todo propósito de quem nele bota alguma fé: são queixas, acusações, chantagens, cenas dramáticas ou histéricas, somatizações, como ânsia de vômito, dor de cabeça, disfunções intestinais ou outros distúrbios psicossomáticos.  

O acreditar incomoda. Incomoda por que exige que o outro se desacomode. E é isso que lhe é difícil fazer. Fica mais fácil jogar sobre quem ainda tem alguma esperança, que não o compreende, que não conhece o tamanho de suas dificuldades. Assim, vai se desculpando e procurando alguém que lhe passe a mão na cabeça, aceitando-o em sua incapacidade. Essa aceitação não o ajuda, apenas facilita sua permanência com seus problemas, enquanto o tempo vai passando e as oportunidades de viver com mais qualidade também.

A função do psicoterapeuta é acreditar nas capacidades do paciente, de superar suas dificuldades. É evidente que existe limite nessa crença. Em contrapartida, o paciente também precisa ter confiança no psicoterapeuta. Assim, com essa mútua crença, o paciente vai superando sua resistência em acreditar em si mesmo e em colocar suas capacidades em ação.

Marido e mulher, pais e filhos também podem e devem acreditar uns nos outros para que possam se ajudar mutuamente. Certa dose de cumplicidade faz parte do equilíbrio nos relacionamentos. O acreditar, no entanto, nunca pode ser dispensado, seja nos relacionamentos mantidos entre pessoas, seja nos mantidos entre grupos sociais. Os embates entre patrões e empregados (greves ou outros) são instrumentos legítimos de reivindicações que, além de permitirem a medição de força entre as partes, manifestam também a crença de ambas na continuidade de seus relacionamentos e parcerias. O viver humano exige um constante ato de fé.

Por José Morelli